Sinopse Suma: Carrie White é uma adolescente tímida, solitária e oprimida pela mãe, cristã ferrenha que vê pecado em tudo. A rotina na escola não alivia o dia a dia em casa. Para os colegas e professores, ela é estranha, não se encaixa e, por consequência, é alvo constante de bullying. O que ninguém sabe ainda é que, por trás da aparência frágil e indefesa, Carrie esconde um enorme poder: ela consegue mover objetos com a mente. Trancar portas. Derrubar velas. Dom ou maldição, isso mudará para sempre o destino das pessoas que algum dia lhe fizeram mal. (Resenha: Carrie – Stephen King)

Opinião: Acho extremamente complicado resenhar um clássico que dispensa qualquer tipo de comentário. Além de ser pra lá de conhecido, assistido e uma referência constante para dezenas de outras obras ou citações. Carrie é uma obra de suspense/terror que claramente se inseriu na galeria de livros imortais e vai seguir fascinando ou amedrontando gerações por muito tempo. Então, se resenhar, pra mim, é complicado, vamos tentar falar sobre experiência de leitura.

Para escrever esse texto, motivado pelo lançamento especial de Carrie em capa dura na Biblioteca Stephen King, fiz a leitura da obra pela terceira vez na minha vida. Só isso já diz muito. Afinal, com tantos lançamentos se acumulando nas minhas estantes e tantas outras obras que clamam pela minha atenção, eu parei tudo para reler mais uma vez essa trama. E cada nova leitura, em uma etapa diferente da vida, acaba trazendo novos olhares. Porque a primeira vez que tive contato com a história dessa garota, eu tinha meus dezoito anos e a sede por histórias sangrentas e que causavam calafrios era o que me motivava ao buscar obras de terror. Não à toa vem dessa época meu fascínio, que perdura até hoje, por O Cemitério.

E Carrie tem sua dose de sangue para motivar um jovem em busca de livros desse naipe. Só que já de cara, a narrativa de Stephen King é totalmente diferente do que estamos acostumados. É uma história em que recortes vão se sobrepondo para compor o todo. Então, a forma em que Carrie foi construído, a partir de relatos de pesquisadores, trechos de artigos e estudos, depoimentos de sobreviventes por si só já fisga nossa atenção. Porque uma coisa vai levando a outra e os diferentes olhares vão nos mostrando o que de fato pode ter acontecido.

Com a maturidade, enxergo Carrie sobre outros pontos de vista que não apenas de uma garota que sai despejando sua ira sobre seus colegas de escola. É onde entra a questão do fanatismo religioso. Margaret White é uma mulher que levou a religião às últimas consequências a ponto de ter seu próprio culto em casa por não acreditar na eficácia e decência das igrejas. E ela vem de uma linhagem de pessoas muito comuns, até no interior brasileiro lá de meados do século XX, que não têm nenhuma noção sexual. Apenas que isso é uma tentação do diabo. Então, o ambiente em que menina Carrie vai ser criada é extremamente opressor para uma jovem. Tudo gira em torno de rezas, orações, pecado e penitência.

“A única forma de matar o pecado, o verdadeiro pecado sombrio, era afogá-lo no sangue de um coração arrependido. Deus entenderia isso e lhe tinha concedido Seu dedo. não tinha sido o Próprio Deus a ordenar que Abraão levasse o filho Isaac para a montanha?”

Então essa jovem é inserida no ambiente escolar em meio a adolescentes. Óbvio que se tornaria alvo de chacotas. Qualquer pessoa minimamente diferente era o saco de pancadas da turma, todos nós já vivenciamos situações assim. O bullying enquanto algo ruim e prejudicial é algo muito recente na nossa sociedade. A maioria de nós é da época em que ter alguém como o alvo para zoação era de lei nas escolas. E o pobre coitado tinha que sobreviver a isso. Não havia ajuda da escola. Então, Carrie com suas roupas remendadas e beatíficas e seu jeito inocente demais com relação a tudo vai ser o centro das atenções para desprezo e chacota.

Apenas esse conjunto de elementos já faz da obra um livro excepcional. Porque permite inúmeros caminhos a seguir. Mas estamos falando de Stephen King já com o DNA de um mestre do horror na veia. E ele traz o sobrenatural a partir da telecinese. O poder de causar perturbações no ambiente com o poder da mente. E isso linkado ao fato de que garotas no início da puberdade poderiam trazer esse poder com uma carga bem maior que o normal. Pronto. Está disposto o barril de pólvora que a qualquer momento vai explodir.

“veja as pegadinhas imundas veja a minha vida inteira uma enorme pegadinha imunda…”

Carrie pra mim é, de fato, a história de uma garota perturbada emocionalmente pelo ambiente ao seu redor. Uma menina com sonhos e desejos como outras qualquer – afinal quem não gostaria de ir ao baile acompanhada do garoto mais desejado da escola e sair eleita rainha desse baile? Mas ao mesmo tempo é uma menina amedrontada porque todos esses sonhos e desejos sempre foram apresentados a ela como pecado. Algo que ela deveria pagar com rezas e sacrifícios a perder de vista. Como conciliar tudo isso? Principalmente em uma idade em que o corpo e a mente estão em ebulição?

Quando Carrie explode e lança sua vingança pelos colegas e pela cidade, ainda assim, lá no final, ela só queria ser aceita na sociedade, ter amigos, ser alguém normal. Ler Carrie deixando de lado a telecinesia e focando apenas no drama juvenil é mergulhar na trajetória de uma adolescente que sofreu todo o possível até sucumbir – King conta na introdução justamente a história das colegas de escola que o inspiraram a criar Carrie. Hoje em dia, os suicídios de jovens que não suportam o bullying e o desprezo em massa nas redes sociais podem ser comparados ao estouro de Carrie. O que seria dessa garota se a colocássemos num Twitter ou Instagram?

Carrie, anteriormente subintitulado no Brasil como A Estranha (convenhamos, que era de muito mal gosto), é no fundo o drama de uma menina colocada de lado pelos amigos e por uma criação religiosa quase doentia. O poder que ela tinha dentro de si nada mais era do que um componente a ser despertado em um caso extremo. Justamente o conjunto da sua vida. Acaba sendo uma história triste e com isso eu fecho esse compartilhamento das minhas visões da obra.

Inicialmente, bem jovem, eu buscava, e encontrei, uma carnificina comandada por uma garota com o gosto da vingança na boca. Mais tarde eu me deparei com uma garota sucumbindo a uma série de zombarias, pegadinhas imundas e excesso de religião. Do terror ao drama. Da tragédia à tristeza. Carrie acabou sendo um livro completo e que ainda mexe comigo por toda a sua riqueza de detalhes, temas, subtemas e assuntos. Um clássico!

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O Autor: Stephen King nasceu em 1947 em Bangor, no Maine. É autor de mais de cinquenta best-sellers no mundo inteiro e mais de 200 contos, sendo reconhecido como um dos mais notáveis escritores de contos de horror fantástico e ficção de sua geração. Os seus livros já venderam mais de 400 milhões de cópias, com publicações em mais de 40 países. Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema. É o nono autor mais traduzido no mundo.

Stephen King recebeu em 2003 a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Foundation; em 2007 foi nomeado Grão-Mestre dos Escritores de Mistério dos Estados Unidos; e em 2015 recebeu do presidente Barack Obama a National Medal of Arts por “sua combinação de narrativa notável e análise precisa da natureza humana, com trabalhos de terror, suspense, ficção científica e fantasia que, por décadas, assustaram e encantaram públicos de todo o mundo”.

Ele mora em Bangor, no Maine, com a esposa, a escritora Tabitha King.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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