Sinopse Rocco: O Inverno da Bruxa traça um esplêndido panorama da Rússia medieval, então um país fragmentado e convulsionado por perpétuos conflitos bélicos. A autora põe em foco o confronto final de Vasya (ou Vasilisa) com integrantes da Igreja Ortodoxa que desejavam exterminá-la alegando ser ela uma bruxa, quando na verdade desejavam apenas reforçar seu controle sobre a população crédula e ignorante. Na época, as mulheres viviam em uma posição totalmente subalterna, e até mesmo as nobres tinham mobilidade reduzida, vivendo longe dos olhares masculinos e da convivência urbana nos chamados “terem”: torres que constituíam uma espécie de prisão dourada que só cairiam em desuso no século XVIII, no reinado de Pedro, o Grande. Vasya só consegue escapar desta sina pelo fato de ser uma simples camponesa e, principalmente, por se disfarçar de homem, mas é implacavelmente condenada quando sua impostura é descoberta. Por sorte, ela conta com a ajuda de seu cavalo mágico e do Rei do Inverno, com quem vive um improvável romance que evidencia sua condição sobre-humana e permite que ela reate o contato com as próprias origens e supere os obstáculos colocados em seu caminho — tanto por seres humanos quanto por míticas criaturas do folclore russo. (Resenha: O Inverno da Bruxa – Katherine Arden)

Opinião: Duas lutas estão em curso e seu resultado vai moldar a Rússia enquanto nação. É partindo desse ponto, e com fortes bases em batalhas, personagens e eventos reais, que a trilogia Winternight chega ao seu fim de forma avassaladora, entrando para minha relação de melhores histórias de fantasia de todos os tempos. Por todas as qualidades que vim elencando ao longo das resenhas dos livros anteriores (que vocês podem conferir nos links disponíveis no fim desse texto) e também pela forma como a autora conduziu os caminhos que levaram ao desfecho. Tudo correto e envolvente demais.

O Inverno da Bruxa parte exatamente do ponto em que A Menina na Torre se encerrou. Apesar de três livros, com suas tramas próprias, a história aqui é única. Forças do mal agora estão à solta e ameaçam uma frágil unidade russa. Disputas por poder, intrigas políticas e uma guerra a caminho colocam o núcleo dos personagens ao entorno Dimitrii em tensão. E não para por aí… Após o incêndio, vem nevasca, vem a peste, vem a perseguição à bruxa incentivada por um religioso descrente de Deus e pendendo pro lado do diabo. A bruxa, claro, é nossa protagonista Vasya.

É a partir de nossa menina, que vai amadurecer a partir das dores e desafios de um mundo cruel, tanto no real quanto no mitológico, que a Rússia vai encontrar seu destino. De um lado, a luta dos homens pelo poder. De outro, a luta dos seres fantásticos pela sobrevivência. No meio, Vasya. A heroína feia, aparentemente sem qualidades, mas dona de uma força incomum. Meio mulher, meio bruxa, meio fantástica. Ela vai ser o equilíbrio entre tudo o que está pendendo na balança da harmonia de um país.

O Inverno da Bruxa investiga minuciosamente o embate entre a religião católica ortodoxa, que ganha espaço e condena os impuros, e as tradições mitológicas e folclóricas do povo russo. As criaturas que habitam, e sobrevivem, no imaginário das pessoas começam a desaparecer à medida que o soar dos sinos amplifica uma nova crença. Mas há espaço para a coexistência. Ambos podem conviver e garantir bons tempos aos russos. Basta, inicialmente, haver gestos, sinais, boa vontade, diálogo. Caberá, então, a Vasya ser a ponte entre esses dois mundos. Entre sua paixão improvável, o demônio Rei do Inverno e as demais criaturas, e a religião representada por seu irmão Sasha, os padres e príncipes.

A Vasya também está reservado o conhecimento de toda sua história. De entender o porquê de ser ela a responsável por todo esse equilíbrio de forças. E de descobrir o amor, talvez de uma forma aparentemente estranha e impossível, mas que vai resistir a maldições e distanciamentos e, quem sabe, vencer. Como falei ao final da resenha do livro dois, estava claro que havia muitos segredos do passado da personagem a serem revelados. E é nesse livro final que entendemos o conjunto da linhagem que nos trouxe a Vasya e que faz dela muito mais do que uma bruxa.

Deixando de lado a trama do livro e olhando a trilogia como um todo, descobrimos através de Katherine Arden e sua Winternight uma Rússia bem desconhecida de todos nós. Não é exagero afirmar que ela fez poesia em inúmeras passagens e na forma como teceu a mitologia e as crenças populares do país para dar vida à sua ficção.

O painel pintado ao longo dos três livros abraça uma Rússia agrária e dela parte para uma Moscou em construção. Ainda em embates políticos e divisões. Mas com um toque fascinante quando olhado, e narrado, a partir dos olhos de camponeses, pessoas comuns que só querem construir suas vidas em paz. É nesse contexto que Vasya se insere. Uma personagem feminina longe de qualquer clichê, mas com uma força que supera as melhores já criadas pela ficção de fantasia. Porque suas qualidades mais sobrenaturais possíveis só existem por causa de uma profunda raiz humana, familiar.

Longe de querer buscar lições romantizadas, mas religião e mitologia conviveram na Rússia por um bom tempo. A luta travada em O Inverno da Bruxa teve desdobramentos positivos e houve vitória, mostrando que tolerância ainda é um caminho mais do que correto a ser trilhado. De tudo o que essa trilogia trouxe de bom, o embate final em que a tolerância abriu espaço para a convivência harmônica é o que mais precisa ter eco no mundo de hoje. E para ficar nas palavras da autora, “quem pode dizer, afinal, que os três guardiões da Rússia não sejam uma bruxa, um Demônio do Gelo e um espírito do caos?”

Todos convivendo e coexistindo pacificamente com os sinos a repicar…

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Da Autora leia também:

O Urso e o Rouxinol (#Winternight 1)

A Menina na Torre (#Winternight 2)

O Inverno da Bruxa (#Winternight 3)

A Autora: Katherine Arden Nascida em Austin, no Texas, passou um ano do ensino médio em Rennes, França. Após ser aprovada para a Middlebury College em Vermont, ela adiou a inscrição por um ano para viver e estudar em Moscou. Na Middlebury, especializou-se em literatura francesa e russa. Depois de formada, mudou-se para Maui, Havaí, e atualmente vive em Vermont.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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