Sinopse Companhia das Letras: Enquanto o mundo ainda tenta lidar com as feridas da recém terminada Segunda Guerra Mundial e a Cortina de Ferro se fecha cada vez mais, a vida de Roland Baines, um menino de onze anos, vira de cabeça para baixo. Em um internato a milhares de quilômetros de sua família, a vulnerabilidade infantil do garoto atrai a professora de piano, Miriam Cornell, deixando marcas profundas e memórias que nunca serão esquecidas. Contudo, já adulto, sua esposa desaparece, deixando-o sozinho com o filho ainda bebê. À medida que o medo da radiação de Tchernóbil se espalha pela Europa, Roland parte em uma busca por respostas que o fará se embrenhar cada vez mais profundamente em seus próprios traumas. (Resenha: Lições – Ian McEwan)

Opinião: Da segunda metade do século XX à pandemia de Covid-19, Ian McEwan nos conduz pela vida de um protagonista que acumula poucos sucessos e incontáveis fracassos. O Roland Baines que vamos conhecer em Lições é um homem marcado por um evento em sua adolescência que, aparentemente, influenciou não tão positivamente todo o decorrer de sua vida. Aliás, a vida de Baines é pontuada por episódios que vão determinando sua trajetória e deixando-o sem muitas opções de escolha. Como se ele não tivesse como, ou não quisesse, lutar para conseguir escrever sua própria história.

Regida por acordes de um piano, a já conturbada trajetória de Roland Barnes sofre um revés quando sua esposa o abandona junto com filho pequeno. Alissa se despede com um sucinto bilhete pedindo para não ser procurada. A maternidade e a vida ao lado de Roland não eram o futuro e a história que ela queria para si. Esse ato, ocorrido no período do acidente de Chernobyl e que abre o livro, vai desencadear a narrativa em memórias em que o protagonista repassa os principais episódios de sua vida com seus altos e baixos.

Se a partida da esposa é um ponto de inflexão numa vida sem muitas perspectivas, anteriormente, durante sua adolescência, a crise dos mísseis em Cuba com uma ameaça de Terceira Guerra Mundial, vai ser o evento-chave que praticamente moldou toda sua existência e do qual ele nunca se recuperou. É o medo de uma tragédia nuclear que o empurra para os braços de sua professora de piano – ele com quatorze anos, ela com vinte e cinco.

E assim, vivenciando acontecimentos históricos bem descritos e contextualizados, Roland vai tentando construir sua história. Ligado ao Partido Trabalhista, ele prospera justamente ao longo do governo Thatcher; percorre Berlim quando o muro está sendo derrubado e reencontramos, na narrativa, cenas e passagens que remetem a Cães Negros; por fim, vê avanços e retrocessos e chega aos inúmeros lockdowns da pandemia de Covid-19 e à saída do Reino Unido da União Europeia.

Roland é um homem cuja vida foi construída e influenciada por acontecimentos externos, tanto de episódios históricos quanto das pessoas ao seu redor. Aos trancos e barrancos ele foi se adaptando, aceitando e tentando da melhor forma levar adiante uma vida de muitas frustrações.

O resultado é seu completo fracasso perante o sucesso estrondoso da ex-esposa, que se transforma numa escritora best seller, e da ineficiência em contribuir minimamente com a formação do filho, que criou sozinho. Da precoce inicial sexual com a professora de piano podem ter derivado todos os seus fracassos. Dali em diante ele se torna impotente frente a todo o resto: o prodígio e promessa como pianista não evoluiu para nada além de tocar em bares e restaurantes e, como poeta, alcançou apenas a criação de versos para cartões de aniversário.

A narrativa magistral de McEwan pelas memórias de Roland, que faz de Lições um calhamaço de mais de quinhentas páginas, salta a todo momento do presente para o passado. Há recortes e lembranças que vão costurando a vida de Roland com os muitos momentos que tiveram alguma importância ou significaram alguma mudança no curso dos acontecimentos. Chega até ao ponto de o protagonista idealizar o futuro vindouro que ele não terá oportunidade de vivenciar. Em seu delírio, é possível resumir em cem páginas o século XXI que está apenas começando.

Já com a idade avançada, das memórias de Roland restaram apenas as cinzas dos cadernos que ele próprio queimou, evitando que os descendentes tivessem contato com seus escritos. Imortalizados para a posteridade ficaram apenas os livros de Alissa, muitos recheados de inspirações e referências de sua vida pessoal, algumas pouco elogiosas para com o próprio Roland e a família em geral. Um desfecho para quem acreditava que “um dos grandes inconvenientes de morrer consistia em ser removido da história”.

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O Autor: Ian McEwan é considerado um dos grandes nomes da ficção britânica contemporânea. Seu primeiro livro, First love, last rites (1975), ganhou o prêmio Somerset Maugham. É conhecido pela inventividade com as palavras e pelo gosto de usar a mecânica dos thrillers como crítica social. Ao longo de sua carreira foi indicado diversas vezes para receber o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio literário britânico, o que veio ocorrer em 1998 com o livro Amsterdam (1998).

Sua obra é famosa pelo realismo psicológico, com rigor de detalhes e clima ameaçador, explorando com frequência temas complexos como escolha ética, decisões difíceis e circunstâncias extraordinárias.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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