Sinopse Companhia de Bolso: June e Bernard, membros do partido comunista inglês, se conhecem em Londres, em 1946. Apaixonam-se perdidamente e decidem se casar. Mas durante a lua-de-mel, na França, um acontecimento misterioso altera para sempre a percepção de mundo de June. Anos depois, os dois acabam se separando. No fim dos anos 1980, Jeremy, o genro do casal, tenta compreender como um amor tão profundo não resistiu às diferenças ideológicas. E é lendo os escritos da sogra que ele descobrirá o que ocorreu anos atrás. Tendo como pano de fundo a Europa pós-Segunda Guerra e as marcas deixadas pelo conflito, McEwan usa seu estilo cristalino para elaborar com precisão uma história sobre o lado mais sombrio da humanidade, e seu constante ataque ao amor. (Resenha: Cães Negros – Ian McEwan)

Opinião: Há dois McEwan’s bem perceptíveis para quem acompanha fielmente o autor lendo todas as suas obras. Há claramente o autor que mergulha em pessoas e explora a fundo, e de forma um tanto obscura, suas dificuldades para lidar com tudo que as cerca. Essa característica se mantém na maioria de seus livros, incluindo a leva mais recente após o “estouro” com Reparação. E há um autor sombrio, visto muito nos seus primeiros livros, que explora de forma mais pesada as relações entre seus personagens. Em Cães Negros, publicado em 1992, nós vamos encontrar um pouquinho dessas suas características.

O palco de Cães Negros é a série de eventos políticos que ainda ressoavam no mundo na época: a queda do Muro de Berlim, o fim do comunismo e da URSS e como tudo isso impactou não só as pessoas que militavam e atuavam nesse entorno, mas toda uma geração. Não são apenas personagens manipulados pela mente inventiva de McEwan. Ele expande seu olhar para todo um grupo de pessoas que vai receber os impactos desses eventos de forma direta, indireta ou muito tempo depois.

A história, falada de forma muito simples, foca em um casamento entre dois membros do partido comunista inglês que não deu certo. June e Bernard se apaixonaram perdidamente, viviam uma história de amor perfeita, mas durante a lua-de-mel algo acontecido na França mudou tudo. June passou a ver o mundo com outros olhos após um misterioso encontro com dois cães negros em uma trilha. Esse vai ser o grande mistério a rondar toda a narrativa. Eles seguiram em frente, mas já não era o mesmo casal e anos depois a separação veio em definitivo. Mas o que pode ter acontecido para que um amor desses acabasse tão rapidamente?

Essa resposta vai ser buscada pelo narrador, Jeremy, genro do casal. Com June hospitalizada, ele decide escrever sua biografia. Na verdade, tudo soa mais como forma de saciar sua curiosidade. A narrativa, por vezes um pouco entediante, vai explicar a partir de diferentes períodos e situações como o casal June e Bernard não deu certo. Ele, racional até o último fio de cabelo e que confia plenamente que o socialismo é a saída para o mundo. Ela, uma mulher que a partir de um evento misterioso decidiu se voltar para a espiritualidade, para a religião. O que aconteceu com essas pessoas?

O passeio de McEwan em Cães Negros vai nos levar pela Europa do pós-guerra em 1946, pela queda do Muro de Berlim, por divagações e análises de seus personagens e como tudo isso vai se interligando para moldar personalidades ao longo dos anos. Há altos e baixos e os leitores menos acostumados terão desde sequências enfadonhas até eventos curiosos e recheados de mistério. Logicamente o maior deles é guardado até o fim: o que são os tais cães negros? E sem entregar spoilers dá pra adiantar que servem tanto para satisfazer a sede dos realistas e se tratarem mesmo de apenas dois cachorros, quanto se encaixa perfeitamente na metáfora do mal que ronda o mundo e que renasce, de tempos em tempos, pronto pra trazer um pouco de caos e desordem. Os cães podem ser o nazismo, o medo, a intolerância… Acho que a interpretação acaba ficando muito livre para cada leitor e sua experiência.

Cães Negros acaba deixando, no fim, uma sensação incômoda de que todos nós a qualquer momento vivenciamos encontros com nossos cães. Seja por grandes eventos que mexem diretamente com nossas vidas, seja pelos medos que nos rondam e vão nos encontrar em algum momento para olhar bem nos nossos olhos.

“… e quando o sono chega, eles estarão se afastando, manchas negras no cinza da aurora, esmorecendo ao avançarem rumo aos contrafortes das montanhas de onde voltarão para nos assombrar, em algum lugar da Europa, em outra época.”

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O Autor: Ian McEwan é considerado um dos grandes nomes da ficção britânica contemporânea. Seu primeiro livro, First love, last rites (1975), ganhou o prêmio Somerset Maugham. É conhecido pela inventividade com as palavras e pelo gosto de usar a mecânica dos thrillers como crítica social. Ao longo de sua carreira foi indicado diversas vezes para receber o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio literário britânico, o que veio ocorrer em 1998 com o livro Amsterdam (1998).

Sua obra é famosa pelo realismo psicológico, com rigor de detalhes e clima ameaçador, explorando com frequência temas complexos como escolha ética, decisões difíceis e circunstâncias extraordinárias.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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