Ken Follet é um daqueles raros escritores com talento especial para escrever ficção história e nos transportar para o período retratado. Um dos melhores exemplos disso é o seu monumental romance Os Pilares da Terra, que rende um bom material para postagens futuras. Mas meu foco hoje é uma trilogia que considero fundamental para nos ajudar a enxergar nossa história recente. Trata-se de O Século, formada pelos livros Queda de Gigantes, Inverno do Mundo e Eternidade por Um Fio, publicados pela editora Arqueiro. A trilogia percorre a história de cinco famílias de diferentes países ao longo do século XX. O cotidiano da vida de cada um dos personagens se mistura aos acontecimentos que marcaram, mudaram e moldaram o mundo como o conhecemos hoje.

O talento narrativo de Follet nos envolve nos dramas pessoais e familiares de seus personagens, espalhados pelos Estados Unidos, Inglaterra, Escócia, Alemanha e Rússia. Ao mesmo tempo, a sociedade em que esses personagens vivem está entrando em um turbilhão de questionamentos e tensões que vai mudar conceitos e fronteiras. Mesclando ficção com acontecimentos reais, os livros nos mostram como a vida de trabalhadores e aristocratas foi abalada, para bem ou mal, pela avalanche que foi o século XX.

Nas turbulências dos nossos dias de 2017, olhar para o passado recente significa aprendizado. Falar de fascismo ou nazismo, revolução socialista ou hegemonia do capitalismo, movimento feminista ou antirracismo, proletários ou burgueses, entre muitos outros temas, nas redes sociais de forma a justificar ou defender pontos de vista da nossa realidade tem sido muito fácil e recorrente, mas claramente ninguém busca entender o real significado de cada palavrinha dessas na história do mundo.

A trilogia O Século, embora seja fictícia, é uma boa porta de entrada para desvendar essa história. Uma galeria de personagens reais como Winston Churchill, Lênin, Hitler, Martin Luther King e Barack Obama, entre dezenas de outros, transita no universo dessas cinco famílias e vão tecendo os cenários das décadas que vieram a nos gerar.

Pelas páginas de Queda de Gigantes descobrimos os frenéticos anos 1920 com a revolução socialista, o voto feminino e a Primeira Guerra Mundial. No Inverno do Mundo, título mais que apropriado, vemos o alvorecer do Terceiro Reich, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial e a explosão atômica. E quando temos a Eternidade por um Fio, a guerra fria faz o mundo respirar lentamente em meio a luta por direitos civis, assassinatos de presidentes, guerra do Vietnã, revolução em Cuba, Muro de Berlim, um presidente negro na Casa Branca…

Mas nem só de história política vivem estes livros. Mudanças nas composições familiares, no modo de vestir, nos ritmos a ouvir. Todas as transformações vivenciadas por nossos bisavós, avós, pais e por nós mesmos vão desfilando no correr dos anos. O vasto e rico material humano e factual que compõe a trilogia é aprendizado de primeira qualidade para quem quer entender como chegamos a essa sociedade de hoje, que já dá mostras tímidas de que pode passar por novos períodos de mudanças.

A leitura de O Século abre caminhos para mergulharmos em livros mais densos, com menos ficção e mais fatos. Mas mesmo para aqueles que se interessam apenas por uma boa história bem contada, a obra satisfaz com sobras. O término das mais de mil páginas deixa aquela saudade, que só os leitores de carteirinha sentem, de cada personagem que acompanhamos, geração após geração. Ah, e percebemos que mudar o mundo é possível, mas o processo é lento e é preciso que as ambições individuais cedam espaço para a coletividade.

Compartilhar
Artigo anteriorVencedor do Pulitzer 2017 é lançado no Brasil
Próximo artigoResenha: Vida Dupla – S.J. Watson
Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

Deixe uma resposta