Sinopse Arqueiro: O potencial de todas as crianças é determinado por seu número Q. Uma pontuação alta dá acesso às melhores escolas e a um futuro brilhante. Aquelas que não obtêm a nota mínima são enviadas para um internato, sem muita perspectiva de vida. O objetivo é construir uma sociedade melhor: custos baixíssimos para o governo, professores dedicados a classes separadas por desempenho e pais felizes por verem os filhos convivendo com seus iguais. Elena Fairchild é professora de uma escola de elite. Quando sua filha de 9 anos tira uma nota baixa, é forçada a ir para uma instituição a milhares de quilômetros. Como educadora, Elena pensava entender o funcionamento do sistema em camadas. Como mãe, sua perspectiva muda para sempre. Ela só quer a filha de volta. E vai fazer o inimaginável para recuperá-la. (Resenha: Questão de Classe – Christina Dalcher)

Opinião: A busca por uma sociedade perfeita em que, a partir de parâmetros definidos por um grupo restrito de pessoas, todos os que forem considerados abaixo de determinadas exigências seriam limados tem na triste realidade do século XX seu maior exemplo. Mas se a busca pela pura raça ariana não foi bem sucedida, isso não quer dizer que a humanidade tenha desistido do ideal de perfeição. Às vezes, certas atrocidades podem ser camufladas, disfarçadas sob o puro véu da educação, dos costumes, das leis, de um governo que preza por melhorias. Não importa a forma, o que interessa é que a vontade de atingir a perfeição sempre vai se fazer presente. O problema é quando a sociedade passa a apoiar sem questionar. Até não ser mais possível voltar atrás.

É buscando a perfeição educacional, para formar melhor as crianças – além de professores e ocupantes de diversos outros cargos em geral, que Christina Dalcher apresenta um alerta para um tema pouco conhecido e divulgado e faz críticas pontuais a estilos de governo que ganharam força nos últimos anos. Questão de Classe é mais uma distopia que finca suas raízes em problemas nascidos bem debaixo dos nossos narizes e a partir deles idealizam o futuro sombrio em que tudo pode sair do controle (ou ser totalmente controlado).

Questão de Classe tem uma trama excepcional, porque discute o tema da eugenia (quer saber mais sobre ele? Leia o livro ou faça boas pesquisas no Google para não ter spoilers aqui). E mais do que isso, a obra aborda a busca desenfreada por pessoas perfeitas. Mas o que é perfeição? Podemos classificar as pessoas a partir de parâmetros definidos por outras pessoas? Se você acha isso difícil, a sociedade descrita no livro não achou. Pelo contrário, ela abraçou a causa. Porque é sedutor para todos nós podermos ser superiores a outros, dar o troco ou simplesmente retirar do nosso convívio tudo aquilo que nós consideramos inferior, incômodo ou desnecessário. Fazer isso com uma mesa é tranquilo, mas e quando se trata do seu vizinho? Ou daquele desafeto escolar? É sobre temas assim que o livro se debruça.

Em Questão de Classe, as crianças fazem provas e são testadas semanalmente. Se seu filho se dá bem em tudo, ele ocupa o topo da cadeia de sucesso, estudando em uma escola sob medida para isso. Mas se ele se fica no meio termo, ele é levado a se juntar a semelhantes. Se ainda assim não der certo e vier um fracasso, ele pode ser retirado do seu convívio e mandado para uma espécie de internato, bem longe dos pais. Tudo isso para o bem da sociedade. Porque assim construímos um futuro melhor. E quem decide isso? O governo, a partir de um grupo muito pequeno de pessoas. E qual a reação dos pais? Bom, no começo o apoio é total porque, veja bem, aquela menina não tinha o mesmo nível da minha filha, ne? Então ela não merecia dividir o mesmo espaço. Esse raciocínio egoísta vale até que o problema bata na sua porta e o seu filho seja levado. Vale para a educação, vale para a preocupação com isolamento social numa pandemia. Eu só me interesse de verdade quando acontece comigo.

A construção dessa sociedade surreal do livro dá certo porque o egoísmo e a vontade de ser superior aos outros é intrínseca do ser humano. Os trechos que mostram o passado da protagonista do livro, Elena evidenciam bem como o bullying que ela sofria foi servindo de base para que, lá na frente, ela se “vingasse” contribuindo na criação de um sistema perverso. Mas perverso porque atingia o desafeto, o outro. O problema é quando a filha de Elena é atingida. O problema é quando a vontade de ser perfeito entende que não podemos mais deixar nascer crianças “burras”. Ou quando, justificados pelo bem maior, entendemos que não se pode ter um filho se ele não vai ser aquilo que o mundo ao redor quer. Assim, lá na frente, você pode decidir eliminar raças, opções sexuais, culturas. A raiz é a mesma para todos os problemas.

Essa trama, narrada em capítulos curtos, provoca a reflexão e, talvez, até nos atinja como soco no estômago se formos refletir o nosso próprio comportamento em relação ao outro. Contudo, apesar da excelente temática e a forma como tudo foi construído, a autora perde um pouco a mão na parte de ação que vai levar ao desfecho. As sequências que seriam “mais tensas” não surtem o efeito desejado e tudo se encaminha para um final correto, mas pouco expressivo. Mas isso não desmerece a qualidade da obra. Porque, mesmo que você ache ficção demais tudo o que é narrado em Questão de Classe, é preciso ter a consciência de que governos, e pessoas, ao redor do mundo estão pensando, querendo ou fazendo ações bem similares ao que é narrado aqui.

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Questão de Classe

Vox

A Autora: Christina Dalcher é linguista e professora universitária com doutorado pela Universidade de Georgetown. Seus contos figuraram em mais de 100 publicações ao redor do mundo. Ganhadora de diversos prêmios, foi finalista do Bath Flash Award e indicada ao Pushcart Prize. Ela vive em Norfolk, Virgínia, com o marido.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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