Sinopse Companhia das Letras: Primeiro presidente da ditadura instaurada em 1964, Humberto de Alencar Castello Branco é um personagem-chave da história do Brasil contemporâneo. Seu curto mandato ainda hoje enseja reavaliações e revisionismos. Exercendo com habilidade e discrição o poder quase absoluto, Castello lançou as bases do regime de força que atormentou o país durante duas décadas. Ora visto como monstruoso e implacável, ora como tolerante e sensato, o estrategista do golpe civil-militar continua a levantar polêmicas, mas, contraditoriamente, sua trajetória tem sido pouco estudada. Em sua primeira grande biografia, agora em nova edição, Lira Neto apresenta uma visão abrangente e equilibrada sobre o homem, o militar e o político, munido da mais completa documentação já reunida sobre Castello. (Resenha: Castello – A Marcha para a Ditadura – Lira Neto)

Opinião: A ditadura militar iniciada no Brasil em 1964 retornou às discussões em tempos recentes, sofrendo distorções ou sendo enquadrada naquilo que podemos chamar de pós-verdade em uma busca incessante ora para atenuar ou ignorar seus crimes, ora para colocá-la como um período próspero na história nacional. Evidencia-se aí o quanto nosso ensino é frágil no tocante aos próprios fatos que construíram nosso país. Em um país mais preocupado com a qualidade de sua educação, discutir se a ditadura foi ou não uma ditadura só entraria em pauta nos mais esquizofrênicos delírios. Infelizmente, ela está em pauta e vem sendo incensada cada vez mais pelo ocupante da presidência da República neste 2020 e pessoas de seu entorno.

Em um cenário como esse, nem é preciso dizer que informação e estudos de qualidade, de fontes confiáveis, são as melhores armas para se manter são e pronto para debater ou simplesmente interpretar tudo que anda acontecendo por aí, incluindo nosso passado. E entender a ditadura passa pela leitura de muito do que se publicou sobre o período por autores sérios que se basearam em depoimentos e extensa pesquisa. Basta pensarmos na série de Elio Gaspari que abrange todo o período ditatorial. Ou na fundamental biografia que Lira Neto produziu sobre um presidente bem obscuro e pouco lembrando por nós, mas que foi o primeiro ditador e cujos atos determinaram muito do que veio a seguir.

Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente militar, o primeiro ditador, e um sujeitinho ambíguo. Sua biografia nos leva a um passeio pelos principais acontecimentos da história brasileira no século XX, culminando com a ditadura em 1964. Apesar de pouco chamar a atenção devido à sua feiura, baixa estatura e poucos atrativos dentro de uma carreira marcada pelo heroísmo e bravura, Castello tinha o intelecto a seu favor e um dom de estrategista que marcaria toda sua vida. Foi assim que aos poucos galgou os degraus da carreira militar e foi se destacando a ponto de ser escolhido por um grupo de governadores como a pessoa ideal para o mandato-tampão pós deposição de Jango. Inocentes governadores. Ao mesmo tempo que era estrategista e forte, Castello também era fraco. Dotado do senso da cautela tanto sabia esperar para acertar quanto soube esperar demais para errar.

A biografia do primeiro presidente da ditadura militar nos revela um homem de formação democrática, extremamente preocupado com a garantia e cumprimento do que determinava a lei e a Constituição. Estranha-se notar como alguém que sempre se colocou a favor da legalidade tenha trilhado caminhos opostos e jogado o país numa escuridão sem fim de autoritarismo. Castello era ambíguo e como presidente, na reta final de seu mandato, tomou as decisões mais equivocadas e contribuiu para o endurecimento de um regime que, esperava-se, terminaria com ele. O democrata dos tempos de juventude e da carreira militar cedeu lugar a um calculista frio que, apesar de ser fraco em diversos posicionamentos, manobrou como ninguém para aprofundar os mecanismos que mais tarde se tornariam a máquina de tortura, prisões e mortes da ditadura.

Lira Neto mergulha fundo em registros pessoais que vão mostrando a formação do jovem idealista, seus embates dentro dos círculos militares e o ápice como presidente da República. Um Castello amoroso e enlutado pela perda da mulher que foi um combustível em sua vida e um Castello enxadrista a mover peças em um tabuleiro de políticos e militares. Lacerda, JK, Magalhães Pinto, Costa e Silva, Geisel… Desfilam pelas páginas de sua biografia personagens que foram tanto ludibriados quanto manobrados. No fim, terminou seu mandato tão pequeno quanto sua estatura. Mas lançou as bases da loucura que Costa e Silva desencadearia a seguir. E, acidentalmente ou não, encontrou o fim em um desastre aéreo que se não foi punição suficiente, pelo menos pode ter gerado boas reflexões nos minutos que antecederam a queda.

Conhecer a trajetória de Castello, mesmo sendo ele um dos presidentes menores em nossa história, é fundamental para entendermos não só esse homem, mas todo o momento que ele protagonizou e que foi primordial na construção do Brasil sem liberdades que veio a seguir. Nada na história se entende de forma isolada e sua trajetória faz parte do quebra-cabeças que moldou um país. Tanto na cabeça dos políticos quanto em uma sociedade que apoiava a tomada do poder pelos militares com medo da dominação do comunismo no Brasil. Assim aprendemos para não errar mais ou errar menos, porque a história, às vezes, se repete.

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O Autor: Lira Neto nasceu em Fortaleza, em 1963. Jornalista, escritor, mestre em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutorando em história pela Universidade do Porto, Portugal, ganhou o prêmio Jabuti em quatro ocasiões na categoria melhor biografia. Pela Companhia das Letras, publicou Padre Cícero (2009), vencedor do Jabuti em 2010, a trilogia Getúlio (2012-4), cujo segundo volume foi premiado em 2014, Uma história do Samba (2017) e Maysa (2017).

2 COMENTÁRIOS

  1. Em relação á opinião apresentada, eu discordo dela em alguns pontos. O Governo Castello Branco foi sim de prosperidade para o país, embora tenha provocado inflação e outros problemas econômicos. Basta LER COM ISENÇÃO as estatísticas. ALém disso, quase todos os brasileiros (civis e militares) aceitam que houve muitas torturas no Brasil, algo inaceitável em qualquer sociedade. Entretanto, ela foi combatida por Castello Branco, e somente após seu mandato é que houve aumento significativo de casos. Em relação ao negacionismo e pos-verdades, tenho lido vários livros recentes e percebo que este viés é mais difundido no tocante a EXCLUIR do texto os casos de terrorismo, sequestro e assassinato de soldados por ativistas contrários ao regime. De novo, a tortura e assassinato são inadmissiveis de AMBOS OS LADOS das facçoes. O que está faltando a vários historiadores é uma análise isenta, em que sejam discutidos os dois lados do tema, e não apenas um com seus aspectos negativos. Isso sim é negacionismo e pós-verdade, bem difundidos pela esquerda.

    • Muito obrigado por sua participação no debate, Luciano. Há dois pontos nessa minha resenha: de um lado a minha opinião sobre a obra de Lira Neto, historiador que dispensa apresentações, e, de outro, a parte das minhas opiniões pessoais sobre o período da ditadura em si.
      Sobre a obra de Lira Neto, recomendo a leitura pois percebe-se nela, através de documentos e anotações do próprio Castello, a figura ambígua que ele representou… um democrata convicto quando jovem que ao final do mandato lançou as bases para o show de horrores que Costa e Silva comandou posteriormente. Isso está no livro e pode ser questionado ao autor. Já sobre negacionismo e pós-verdade… houve terrorismo, sequestro de embaixadores, guerrilhas promovidas por grupos que lutavam contra o regime, incluindo pessoas que ocuparam cargos de destaque no país, como a ex-presidente Dilma, e houve também tortura e mortes feitas pelos militares que ocupavam o Planalto. Ambos são fatos. Na minha visão pessoal, os grupos que combateram a ditadura lutavam contra um governo que perseguia e matava opositores, uma luta justa.

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