Sinopse Estação Brasil: Conhecido como o Patrono da Independência do Brasil, José Bonifácio é uma figura histórica tão fascinante quanto enigmática. Sua aura de mistério intrigou inúmeros pesquisadores, que buscaram encontrar em sua trajetória qualidades e feitos que comprovassem seu heroísmo, sua genialidade, seu patriotismo. Ao procurar entender quem foi o homem por trás do mito, no entanto, a historiadora Mary Del Priore descobriu não o super-homem que seus pares procuraram, mas um personagem de seu tempo, cheio de contradições e dilemas, forjado – como qualquer um de nós – pelas circunstâncias da vida. (Resenha: As Vidas de José Bonifácio – Mary Del Priori)

Opinião: Muito ouvi em ocasiões as mais diversas que a história é sempre escrita pelos vencedores, e cabe a eles dar sua versão da forma como melhor convir. Acredito que o mesmo se aplica a biografias de grandes personagens que desempenharam não somente papel de destaque, mas que também contribuíram de alguma forma para definir rumos para um país, sejam positivos ou negativos. Existe uma tendência a sempre se varrer para debaixo do tapete as contradições ou características pouco adequadas na construção do “perfil ideal”. É como se fosse proibido a certas personalidades o simples ato de terem atitudes humanas, passíveis de erros e acertos como qualquer um de nós.

A Independência do Brasil, e tudo que a ela se cerca, é um desses momentos em que ao longo dos anos sempre se buscou construir uma aura mística e conferir a seus personagens adjetivos superlativos. Patrono do movimento e uma das figuras mais importantes da história brasileira, José Bonifácio de Andrada e Silva é um político pouco explorado por nossa literatura. Folgam biografias escritas em outras épocas e faltavam novos olhares, mais imparciais e menos apaixonados. Mary Del Priori vem preencher essa lacuna com uma obra de leitura deliciosa. Desmistificando a lenda e enxergando o homem por trás da mitologia, As Vidas de José Bonifácio é um livro perfeito para se desbravar os altos e baixos na vida de alguém que teve participação ativa na formação inicial desse nosso Brasil.

O José Bonifácio que o senso comum conhece – e eu tenho esperanças e fé que ele não tenha caído no ostracismo do nosso péssimo ensino educacional somado às péssimas práticas políticas de só valorizar quem interessa ao seu lado da balança, é o homem que esteve por trás das principais jogadas que culminaram em nossa Independência. Tanto que mereceu a alcunha de Patrono da mesma. A leitura de As Vidas de José Bonifácio, no entanto, nos revela um político hábil na mesma medida em que não sabia cultivar a arte da política. De gênio difícil, Bonifácio colecionou inimigos e desafetos por suas atitudes e seu estilo ferino de agir. Esses mesmos inimigos seriam, mais tarde, responsáveis por defenestrá-lo em definitivo dos holofotes.  De homem forte do Império recém-nascido, e controlado por um Pedro I imaturo, a um forçado exílio cair em desgraça junto a esse mesmo Pedro.

Mais fascinante que o jogo de forças no Brasil Império, a formação de José Bonifácio em Portugal é uma aventura por páginas que revelam um jovem comum, talvez até um tanto medíocre por não conseguir sucesso e acumular frustrações. Não sendo de família nobre, o nosso Zé não mediu esforços para conseguir um lugar ao sol (que nunca veio pra valer). Com uma formação acadêmica sem grandes destaques, ele viveu uma busca obsessiva por cobrar favores, fazer pedidos e lançar mão de todo o arsenal de contatos possível para “ser alguém” reconhecido na corte. Passeando por uma Europa em transformações, Bonifácio acumulou experiências e entendimentos sociais. O poder, no entanto, só veio após os 55 anos de idade cá nas terras tupiniquins.

Dono de ideias avançadas para a sociedade brasileira da época, como por exemplo o fim da escravidão (de forma lenta e gradual), José Bonifácio é mais homem que mito. Por mais que em dezenas de trechos a obra de Mary Del Priori passe a sensação de que estamos diante de um fracassado que deu sorte um dia, uma leitura desapaixonada e sem pré-conceitos nos mostra um político na medida certa do período em que viveu. Os sonhos, as (muitas) frustrações, e as artimanhas para manter o máximo de controle sobre as decisões do Império, e inúmeros projetos pessoais para satisfazer suas vaidades, fazem parte do tabuleiro político-social de uma nação ainda sem identidade e um pouco sem rumo, que não sabia ao certo se era brasileira ou portuguesa.

Morto, José Bonifácio passou para a história com muito mais fama do que realmente fez por merecer. Contudo, ainda hoje em 2019, seus descendentes, no ramo mineiro da família, permanecem no centro do poder brasileiro como prefeitos, deputados estaduais e federais. Tamanha longevidade certamente sequer passou pela cabeça daquele idealista que entendeu e encarnou como poucos o que é, de verdade, ser patriota.

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A Autora: Mary Del Priori é uma historiadora e professora brasileira. Graduou-se em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez doutorado em História Social pela USP e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, na França. Foi professora de História do Brasil Colonial nos departamentos de História da USP e da PUC-Rio.

É colaboradora em revistas nacionais e internacionais, e publica crônicas no jornal O Estado de S. Paulo. Escreveu, organizou ou colaborou em mais de 40 livros. Foi duas vezes vencedora do Prêmio Casa Grande & Senzala; Prêmio Jabuti em 1998, na categoria Ciências Humanas.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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