Sinopse HarperCollins: O solitário Daniel é um jornalista negro que escreve para a seção investigativa de uma revista independente. Ao saber da trágica morte de Romeu, seu melhor amigo de infância, ele decide voltar à sua cidade natal, Ubiratã, para investigar o caso, o qual a polícia prontamente concluiu ter sido suicídio. Após dez anos longe, Daniel se vê de volta à pequena cidade onde cresceu. Seu regresso à casa é problemático. Bissexual, ele sempre se sentiu deslocado naquele bairro separado do resto da cidade por um rio. A nova companhia de teatro, figuras políticas da cidade, os membros de uma seita religiosa e famílias que não querem ser incomodadas são viradas de cabeça para baixo com a presença do jornalista e sua investigação criminal. Há, também, algo do passado de Daniel de que ele não consegue – ou não quer – lembrar. Em vez de memórias, tem visões de um menino, que aparece para ele com mensagens indecifráveis. Agora, quanto mais se aproxima da verdade, mais visões tem e mais ele deve descobrir sobre si mesmo. (Resenha: O Beijo do Rio – Stefano Volp)

Opinião: Quebrando totalmente a costumeira linha de raciocínio que eu costumo percorrer nas resenhas aqui do Leitor Compulsivo, eu preciso adiantar já nesse início que O Beijo do Rio é um dos melhores thrillers que eu já li e talvez seja um dos melhores thrillers nacionais que leio em muitos e muitos anos. Leitor voraz de quase tudo que consigo dar conta no gênero, pela primeira vez esbarrei em uma história nacional que traz um ritmo veloz, alucinante e viciante no melhor estilo de consagradas obras estrangeiras que fizeram a minha paixão pelo suspense.

Dito isso, vou me ater às muitas qualidades de O Beijo do Rio que conquistaram minha atenção. E de cara é preciso ressaltar a força do protagonista Daniel. O personagem passa longe de ser um herói infalível. Ele é humano, tem traumas, problemas, falhas e tem uma história de vida que praticamente todos nós ou já vivemos ou conhecemos alguém que passou por algo semelhante. E aqui eu não falo de investigar crimes, mas sim de crescer e tentar se você mesmo em um ambiente extremamente conservador e intolerante. Ah, e com a pitada da dominação religiosa. Vale para o interior da fictícia Ubiratã, mas vale também para qualquer cidade do Brasil.

O Beijo do Rio se passa numa cidade perdida ali pelos lados de Paraty, e essa ideia de não situar a trama numa metrópole com cenários batidos tipo a orla de Copacabana, foi maravilhosa. Porque aproximou demais a história daquilo que é a realidade de praticamente todo o Brasil. Somos um país composto exatamente por milhares de pequenas cidades que têm uma vida organizada em torno de pequenas instituições e cuja igreja no centro da praça dita boa parte dos rumos conservadores da vida.

Ubiratã é exatamente isso. Uma cidadezinha cuja vida é ditada pelo Apóstolo, líder religioso local, que comanda a Igreja das Cinco Virgens. Uma instituição que guarda tantos segredos obscuros na sua composição quanto muitas outras que esbarramos nas esquinas reais desse nosso Brasilzão. E por ser interior, todo mundo se conhece, todos sabem da vida de todos, os segredos, às vezes, duram pouco e os dedos estão sempre a postos para apontar o erro alheio.

“Todo mundo tem monstros. Os piores são aqueles que se disfarçam de santos a vida inteira.”

Saindo da ótima ambientação e do protagonista Daniel que fisga nossa atenção, a história de O Beijo do Rio é um desses mistérios em que diversas camadas se sobrepõem para compor um quebra-cabeças em que os dramas e traumas do passado são o combustível para se chegar à solução de tudo. No caso aqui, para quem não leu a sinopse, temos o protagonista de volta à cidade natal, da qual fugiu na primeira oportunidade, para investigar o misterioso suicídio do melhor amigo, Romeu.

Interpretando o personagem de mesmo nome em uma versão gay de Romeu e Julieta, ele aparentemente ingeriu veneno de verdade. Mas essa história está mal contada e é aí que Daniel precisa retornar para encarar os fantasmas do passado e acertar contas com eles e de quebra assegurar o bom descanso para a memória do melhor amigo, e primeira paixão.

Então, para tentar resumir um pouco, já que a história tem muitas subtramas que vão se interligando. O Beijo do Rio vai trazer o retorno de Daniel à cidade da qual ele fugiu e que, em muitos aspectos, acabou com seu psicológico, deixou traumas e marcas difíceis e o reprimiu em muitas coisas.

Esse retorno que a princípio é motivado por investigar e buscar justiça pela morte do melhor amigo, vai se mostrar, na verdade, como um acerto de contas com o passado, com a família e com tudo que o fez sofrer. Gavetas da memória serão abertas e vão liberar os segredos mais estarrecedores, embora esses também sejam mais comuns do que imaginamos cá no nosso mundo real.

A escrita de Stefano Volp é viciante e é impossível largar esse livro. Da ambientação à construção do mistério, passando por personagens, segredos e pelo desfecho…. Tudo é muito redondinho, bem amarrado, convincente e com as melhores características do gênero. E há protagonismo negro de verdade em O Beijo do Rio. Daniel é negro e bissexual. A figura policial que vem para arrematar o mistério é de uma delegada negra. Não há caricaturas, como tem sido mais comum em obras recentes, mas sim personagens com pés muito bem fincados na realidade.

Stefano Volp fez uma radiografia de inúmeras cidades ou famílias ou jovens brasileiros. O Beijo do Rio, retirada toda a ficção policialesca, é uma crua fotografia de dezenas de episódios de repressão e intolerância causados pela visão religiosa extremista, pelo conservadorismo patriarcal-machista, pela corrupção de figuras proeminentes dos interiores e pelos traumas que destroem vidas levando a suicídios ou a infindáveis sessões de terapia que talvez nunca tragam resultados de fato.

Se há um livro nacional que precisa ser lido em 2022, trata-se de O Beijo do Rio. Um prato cheio para os fãs do suspense e um ótimo cartão de visitas para os que desejam desbravar o gênero. O importante é que todos sintam o hálito desse rio. Bem de perto…

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Observação: este livro foi lido na edição da TAG Inéditos de Abril de 2022

O Autor: Stefano Volp é escritor, roteirista e tradutor. Idealiza o Clube da Caixa Preta, um clube de leitura online com resgate de contos clássicos escritos por autores negros nos últimos séculos. É também autor do livro Homens pretos (não) choram. Volp escreve filmes e séries para streaming, além de contribuir para veículos como a revista Veja e a Folha de S.Paulo.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

2 COMENTÁRIOS

  1. Você vai me desculpar, mas dizer que “Tudo é muito redondinho, bem amarrado, convincente” nesse livro… 🤯🫠 fico chocado hahaha to aqui entrando em vários sites e videos do youtube pra ler resenhas e opiniões de pessoas e poder costurar essa obra que é REPLETA de furos na trama e tem um final tão absurdo e forçado que fica chato por parecer impossível de acontecer num mundo real. A escrita do cara é genial, isso eu não posso negar. Ele constrói um suspense muito bem, vai adicionando novos fatos a cada capítulo, fazendo a gente desconfiar de várias pessoas diferentes, deixa muito curioso, é descritivo na medida certa, tem personagens muito cativantes, seja pro bem ou pro mal (ou pra ambos, como Ednalva)… mas o problema é que no fim… se perde na história, que fica viajada DEMAIS. Uma pena! Mas enfim, essa é só a minha opinião e respeito quem amou!

  2. Gostei do Livro, traz uma proposta inovadora quanto a sua ambientação, porém percebo uma certa confusão na narrativa e lentidão em alguns capítulos devido ao excesso de personagens que orbitam pelo texto, são tantos nomes apresentados que há momentos que precisei voltar algumas páginas para entender de quem se tratava ou então refletir sobre a real necessidade daquele nome ser citado, o que deixou algumas lacunas. Penso que alguns personagens poderiam ser suprimidos, pois contribuíram muito pouco ou nada com a narrativa. Fora o excessos, a história é excelente e cativante.

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