Resenha: Algo Sinistro vem por Aí – Ray Bradbury

Sinopse Bertrand Brasil: Um parque de diversões itinerante chega a uma pacata cidade do meio-oeste dos Estados Unidos. No entanto, sob tendas e luzes coloridas esconde-se algo ameaçador: um paraíso infernal. Envoltos pelas intrigantes atrações, os espectadores passam por transformações assustadoras que poderão mudar suas vidas de maneira diabólica. Ávidos por aventura, os amigos de infância Jim Nightshade e William Halloway mergulham nesse curioso circo de horrores para descobrir o que há por trás das atrações. Após se depararem com uma caravana do mal, a dupla tem de desvendar o pesado custo dos desejos… e a fábrica dos seus piores pesadelos. (Resenha: Algo Sinistro vem por aí – Ray Bradbury)

Opinião: Bradbury é um autor impossível de ser rotulado ou encaixado em um único gênero. Suas obras ultrapassam qualquer tentativa de limitação e se mantém atemporais. São livros escritos para encantar e provocar reflexão. É a imaginação que se une ao medo, à vontade da aventura, aos receios do correr do tempo, ao sinistro e ao mágico. Livros que nos fazem viajar e, aos mais crescidinhos, trazem nostalgia de uma infância que não existe mais nesse mundo de tecnologia sem fim.

Algo Sinistro vem por aí é uma dessas históricas mágicas e fascinantes. É aquela leitura em que a gente se desliga da realidade e solta nosso lado garoto aventureiro para desvendar um mundo onde os pesadelos são reais e se encontram à espreita. Como vencê-los? Nesse caso, o mal aparece na forma de um misterioso circo, recheado de atrações grotescas, como um bebedor de lava ou uma bruxa que enxerga sem ver. Há também um labirinto de espelhos em que os reflexos vistos podem nos levar à loucura e um carrossel cujo girar pode alterar o andar do tempo, para frente ou para trás. Resistimos a isso? Nossa curiosidade humana quando se junta ao fascínio que circos exercem, consegue resistir a tantas maravilhas, por mais macabras que possam parecer? E quando se tratam de garotos?

Jim e Will são os protagonistas dessa aventura em que será preciso muita coragem e boas doses de maturidade para enfrentar e derrotar o mal encarnado pelos donos do circo, Cooger e Dark. Amigos inseparáveis, vizinhos de casa, mentes férteis para imaginar as mais divertidas brincadeiras, os dois garotos criados por Bradbury em muito lembram, e talvez aja uma influência nas entrelinhas, os personagens Tom Saywer e Huckleberry Finn, de Mark Twain. São aquelas crianças que todos nós já fomos um dia. Destemidas ao mesmo tempo em que sentem pontinhas de medo, sonhadoras até pensar que o impossível pode ser real, imaginativas com a capacidade de transformar uma simples corrida em uma batalha épica. Essa amizade é o ponto fundamental na corrida para vencer os horrores que o circo pretende espalhar.

Algo Sinistro vem por aí não é um livro de terror para fazer alguém perder o sono. Como disse, é impossível encaixar a obra do autor em um gênero literário. Ele transcende isso. O livro trata de um circo que se alimenta do medo e do pavor das pessoas. Viajando pelo tempo, esse conjunto de aberrações volta e meia retorna às cidades para encontrar novos membros. Membros escolhidos a partir dos desejos mais profundos que, somado ao tal medo, tornam até os mais vividos adultos em criaturas vulneráveis. Jim e Will, munidos da inocência infantil, percebem os horrores que se escondem nos bastidores, decidem barra-los e acabam se tornando alvos. Passam a ser perseguidos e desejados pelos cruéis Cooger e Dark. E assim q história se desenrola como uma grande aventura infanto-juvenil.

A qualidade maior desse livro é a óbvia e já conhecida capacidade narrativa de Bradbury. Suas frases são poesia pura e os acontecimentos simplesmente são contados como se fosse magia. Nada aparece de forma desnecessária ou mal colocada. Tudo tem um sentido lírico, até mesmo nos trechos mais macabros e tensos. E aí, o autor reflete sobre a passagem do tempo entre dois garotos que mesmo sonhando em crescer logo, ainda são apegados às brincadeiras da infância; fala também sobre o pai de Will e como a passagem dos anos pesou sobre suas costas. O Sr. Charles protagoniza alguns dos trechos mais bonitos da história ao perceber que o tempo passa, mas nunca devemos deixar a chama aventureira e sonhadora morrer dentro de nós.

Algo Sinistro vem por aí foi uma leitura que me encantou e envolveu. De fato, libertei meus sonhos de criança e me deixei conduzir pelas mãos de Jim e Will. Foi um livro em que comecei a ler sem expectativa nenhuma, apenas a certeza de que tinha um grande autor em mãos. À medida que avancei, fui sendo puxado pela vontade de viver um perigo como o oferecido pelo circo, de sair da poltrona e, mesmo com medo, encarar o desconhecido e enfrenta-lo. E em alguns momentos, senti identificação com a inércia que por muito prendeu o Sr. Charles. Foi um daqueles livros que me fizeram sentir, de novo, a felicidade de ser um leitor. Porque são histórias como essa que nos dão energia.

Algo Sinistro vem por aí é uma grande história sobre amizade e sobre, acima de qualquer coisa, viver intensamente a vida. Sem medos. Sem receios. Apenas viver… Porque o carrossel do tempo gira de forma implacável.

“… como era bom deixar a marca da vida deles no orvalho dos campos frios como numa manhã de Natal.”

 

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O Autor: Ray Bradbury é considerado um dos principais e mais populares escritores norte-americanos do século XX. Escreveu romances, contos, peças, poesia, roteiros e filmes para televisão, nos mais variados gêneros. Seus livros mais conhecidos são os romances Farenheit 451 e Algo Sinistro vem por aí, e a reunião de contos Crônicas marcianas. Desde que seus primeiros trabalhos foram publicados, nos anos 1940, Bradbury recebeu vários prêmios. Entre eles estão uma menção especial do Comitê do Prêmio Pulitzer em 2007 por sua “carreira particular, prolífica e muito influente como um autor ímpar de ficção científica e fantasia”. Recebeu também a Medalha Nacional de Artes, um World Fantasy Award, o Prêmio de Grande Criador Americano para autores de fantasia e ficção científica, e um prêmio Emmy, entre outros.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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