Sinopse Aleph: Após ter sido quase aniquilada por um cataclismo nuclear, a humanidade mergulha em desolação e obscurantismo. Os anos de loucura e violência que se seguiram ao Dilúvio de Fogo arrasaram o conhecimento acumulado por milênios. A ciência, causadora de todos os males, só encontrará abrigo na Ordem Albertina de São Leibowitz, cujos monges se dedicam a recolher e preservar os vestígios de uma cultura agora esquecida. Cobrindo mil e oitocentos anos de história futura, Um cântico para Leibowitz narra a obstinada epopeia de uma ordem religiosa para salvar o conhecimento humano. Marco da literatura distópica e pós-apocalíptica, vencedor do Prêmio Hugo de 1961, este clássico atemporal é considerado uma das obras de ficção científica mais importantes de seu tempo. (Resenha: Um Cântico para Leibowitz – Walter M. Miller Jr.)

Opinião: Talvez seja cair demasiado no clichê ao iniciar esse texto falando que a história é cíclica e que estamos fadados a repetir eternamente erros e acertos a cada era ou geração. Mas essa é a melhor forma que encontrei para falar de Um Cântico para Leibowitz, um dos maiores clássicos da ficção científica e da distopia do século XX, e que segue assustadoramente atual.

“Faça-se o homem!”

Com esse começo, a primeira parte de Um Cântico para Leibowitz percorre o nascimento de uma nova civilização a partir do caos atômico. O mundo foi devastado pelas armas nucleares e os sobreviventes retornam a um tempo em que o conhecimento voltar a habitar os mosteiros. É a Ordem Albertina de São Leibowitz, um cientista cujos parcos escritos, que vão de estudos e fórmulas a uma lista de compras, influencia uma ordem religiosa. O culto católico curiosamente se volta ao entorno da ciência para venerar um homem que de milagres e realizações sobrenaturais não tem nada.

Combatente da Aeronáutica norte-americana na Segunda Guerra Mundial, vivendo de perto algumas tragédias marcantes e passando boa parte da vida sob as ameaças da Guerra Fria e do “ir pelos ares ao aperto de um botão”, Miller Jr. claramente externou no livro suas experiências, medos, frustrações e, principalmente, sua visão de futuro a partir daquilo que o mundo viveu na metade final do século XX. A ameaça nuclear permeia absolutamente toda a obra em diferentes graus, servindo como um lembrete de que foi ela quem destruiu tudo que existia até então e comprovando que é a partir dela que se impõe o domínio a partir de interesses geopolíticos.

A parte inicial de Um Cântico para Leibowitz é um pouco confusa porque muito ainda está sendo explicado e o leitor ainda vai se acostumar com o contexto todo que envolve a trama. O foco aqui é a reconstrução pós-acidente nuclear e a abadia que abriga monges dedicados a preservar o que restou do conhecimento humano. Mas como a história é cíclica, logo após os escritos atribuídos a Leibowitz serem encontrados, vamos dar um salto no tempo…

“Faça-se a luz!”

Gerações depois, a segunda parte do livro se concentra naquilo que poderíamos comparar com o Renascimento. É a hora em que ao conhecimento é requisitado por pesquisadores e por escolas e colégios. O lado religioso que detém documentos é colocado em xeque e, curiosamente, a obra de São Leibowitz vai passar por um pente fino na análise de um pesquisador. Digo curioso porque, como já falei, Leibowitz não carregou consigo nenhuma característica daquilo que estamos acostumados em santos. E assim, acompanhamos uma nova geração de monges e estudiosos se debatendo ao entender que das anotações do santo podem surgir inventos, máquinas, um resquício avançado de um conhecimento que se acreditava perdido.

Em outro lado, a tensão política começa a dar seus primeiros sinais. Embora o foco total dessa parte da obra se concentre na abadia e no que se passa ali, os relatos de fora vão dando mostras de que o mundo está acelerando em sua evolução.

“Seja feita a vossa vontade!”

Algumas gerações depois, num futuro em que a tecnologia já domina viagens pelo espaço, a tensão nuclear aumenta a ponto da humanidade se ver, novamente ameaçada. Na abadia, acompanhamos os embates entre fé e ciência. De um lado, Roma e seu plano de salvar não só parte da civilização, mas também o conhecimento, os escritos de Leibowitz. De outro, a disputa pelo poder que não vê limites e não se furta a lançar bombas e dizimar cidades e regiões inteiras. É uma parte do livro que explora a radioatividade, seus efeitos e como um religioso, o abade, vai lidar com seu dever para com a crença na vida e o fato de pessoas precisam ser sacrificadas porque a radiação não pode ser revertida. É uma parte reflexiva e que nos leva a inúmeros questionamentos pessoais. Afinal, vamos entendendo que, na visão do autor, tudo está fadado a se repetir. Por mais que o homem veja seus erros, ele nunca aprende com eles.

Para alguém que viveu sob a ameaça da bomba atômica, concretizada em Hiroshima e Nagasaki, e a corrida armamentista como um todo, fica claro que Miller Jr. enxergava como possível que parte da humanidade pudesse ser dizimada pela loucura de um governante. No livro, ele projeta a civilização que nasceria dali e como ela se reconstruiria no correr dos séculos vindouros. Mas entre saídas otimistas e uma base religiosa gigantesca – pensem que o latim e as referências bíblicas e católicas marcam presença por toda a obra, o contexto geral de Um Cântico para Leibowitz é pessimista. Há uma clara desilusão na capacidade da humanidade de aprender com seus erros. Há um egoísmo intrínseco a nós que vai, se seguirmos a visão do livro, nos levar a um caos atômico, mesmo que já tenhamos vivido e sobrevivido a duras penas a um.

Um Cântico para Leibowitz é uma obra para ser lida várias vezes. Acredito que há muito a perceber a cada nova leitura. Porque ele é denso, cheio de referências e faz reflexões profundas sobre o comportamento humano. A passagem das gerações é marcada ora por abutres, que se alimentam daquilo que a humanidade largou pelo caminho, ora pelo reinício do ciclo da vida lá na profundidade dos mares.

A lição mais forte que tirei nessa primeira leitura que fiz foi sobre o equilíbrio entre fé e ciência. Ambos podem andar de mãos dadas e se complementar. O mistério da fé pode conviver sim com os avanços da ciência. E talvez ambos, juntos, possam salvar a humanidade. A saída para tudo isso está no espaço? Na busca por outros planetas a habitarmos e salvarmos um pouco do que conquistamos?  Talvez… Mas é preciso, antes de mais nada, aprender a ser humano.

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O Autor: Walter M. Miller Jr. nasceu e cresceu na Flórida, Estados Unidos. Serviu a Força Aérea, alistando-se um mês depois de Peal Harbor. Passou quase toda a Segunda Guerra Mundial como operador de rádio e artilheiro de cauda. Participou de mais de 55 combates, entre os quais a polêmica destruição da abadia dos beneditinos em Monte Cassino, Itália, o mais antigo monastério do mundo ocidental. Após a guerra, converteu-se ao catolicismo. Quinze anos depois, escreveu Um Cântico Para Leibowitz (1960).

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

2 COMENTÁRIOS

  1. Gostei muito da ideia, da premissa do livro, mas confesso que bocejei forte em alguns momentos da leitura. Eu curto livros com universos mais explicados e esse aqui deixa muita coisa em aberto. Não é ruim, é só um estilo diferente que não me agrada muito.

    • É uma obra lenta e exige paciência pra caralho e muita atenção. Não é explicadinho em detalhes, dá altos temporais e deixa aos leitores preencherem certas questões…

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