Resenha: D. Maria I – Mary Del Priori

Sinopse Benvirá: D. Maria I é conhecida há séculos como a rainha louca de Portugal. Mãe de D. João VI e avó do futuro imperador brasileiro D. Pedro I, ela nunca recebeu muita atenção nos livros de história, e os detalhes de sua vida são pouco conhecidos. O que a teria levado à loucura? E será que ela era realmente insana? Ou apenas mal compreendida? A fim de lançar uma nova luz sobre essa figura tão importante, a historiadora Mary Del Priore decidiu investigar a fundo sua trajetória. Neste livro, ela reconta a vida da monarca de uma perspectiva inédita, revelando que seu estado mental era provavelmente fruto de todas as tristezas e perdas que vivenciou, em uma época em que depressão e melancolia eram confundidas com insanidade – e até mesmo consideradas obras do demônio. Abordando desde sua infância em Portugal, passando por sua devoção ao catolicismo, sua coroação como a primeira rainha portuguesa, as desavenças com o Marquês de Pombal, os primeiros sintomas de sua doença, até sua morte, aqui no brasil, para onde se mudara em 1808, esta obra faz jus a uma personagem que merece lugar de destaque na historiografia brasileira e portuguesa. (Resenha: D. Maria I – Mary Del Priori)

Opinião: Ávido leitor de materiais sobre história, sempre me incomodou a forma como a corte portuguesa foi moldada no imaginário brasileiro, principalmente em obras de alto alcance popular como filmes e minisséries. Desrespeitosa com parte importante da nossa formação como nação, a construção de figuras como o príncipe glutão ou a princesa ávida por sexo, notadamente D. João VI e Carlota Joaquina, mostram o quanto somos imaturos com nosso passado. Visões contrárias, seja política ou idelogicamente falando, fazem parte do processo, contudo parece ser mais fácil partir para a ridicularização, para a crítica simples. A consequência acaba sendo a formação de pessoas (cidadãos) com total falta de noção sobre períodos importantes para nós enquanto país.

É nesse contexto que se insere a curiosa figura de D. Maria I, resumida de forma bem direta como “a louca”. Nunca tinha parado seriamente para pensar nela como uma governante. Sendo bem sincero, a figura dela sempre foi de alguém marginal, justamente pela definição de “louca” que parece servir para resumir toda a sua vida. Injusta visão, talvez pela escassez de material disponível sobre seu período à frente do reino. A partir da leitura de D. Maria I – As perdas e as glórias da rainha que entrou para a história como “a louca”, a percepção muda de figura e minha galeria pessoal de majestades ganhou nova personagem.

Na prosa deliciosa de Mary Del Priori, a biografia de D. Maria I é uma grata viagem pelos tempestuosos mares navegados por uma mulher fruto e vítima de seu tempo. Criada em um Portugal, e numa corte, fervorosamente católicos e sob as influências de um pensamento religioso em que Deus era um juiz a anotar pecados e distribuir punições, Maria, como inúmeras outras mulheres, viveu uma fé professada com medo. Uma primeira característica a moldar a futura governante: não se tomam decisões sem pesar o lado da Igreja, dos padres, de Deus.

Por outro lado, a figura da mulher como suprema governante de um reino não era tão bem vista pelos nobres portugueses. Assim, a Maria religiosa tinha pela frente o obstáculo do machismo. Mesmo com figuras femininas fortes no comando de algumas nações, Portugal não se sentia à vontade em ter uma mulher decidindo seu futuro.

“Não era louca, mas, por força da Igreja da época, sentia-se louca. Considerava-se pecadora e culpada. E, como tantas místicas, dava assim sentido à sua dor”.

Esse é o contexto em que D. Maria I vai reinar. E para além dele, virão se somar uma série de tragédias familiares que pouco a pouco vão lhe tirar o prazer de viver. Loucura? Não. Depressão? Certamente. Vítima do atraso da medicina em não conhecer as “doenças da alma”, Maria vai sofrer baques, perdas e desgostos que vão minar sua alegria com o mundo e fazê-la se trancar cada vez mais em um mundinho particular. Mais fácil resumir tudo à loucura…

Interessante extrair da leitura de D. Maria I a descoberta de uma governante amada pelos portugueses e que no tempo em que reinou, feliz, soube olhar para seus súditos, se aproximar deles e receber carinho e adoração. Descobrimos com esse livro não uma rainha, mas uma mulher que governou para os seus, dentro de sua crença e com seus erros e acertos. Uma mulher forte derrotada pela enfermidade de tantas perdas. Uma mulher que injustamente resumimos como uma louca, mas que tem muito a nos ensinar sobre os desafios enfrentados e/ou superados pelas mulheres de séculos passados. Mais uma daquelas leituras fundamentais para corrigir nossa visão distorcida sobre a corte portuguesa e para nos mostrar a força de personagens que são um pouquinho também brasileiros e que influenciaram nos rumos de nosso país.

“Conhecia apenas ‘a louca’. Hoje conheço uma mulher”.

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A Autora: Mary Del Priori é uma historiadora e professora brasileira. Graduou-se em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez doutorado em História Social pela USP e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, na França. Foi professora de História do Brasil Colonial nos departamentos de História da USP e da PUC-Rio.

É colaboradora em revistas nacionais e internacionais, e publica crônicas no jornal O Estado de S. Paulo. Escreveu, organizou ou colaborou em mais de 40 livros. Foi duas vezes vencedora do Prêmio Casa Grande & Senzala; Prêmio Jabuti em 1998, na categoria Ciências Humanas.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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