Sinopse Companhia das Letras: Londres, 1982. A Grã-Bretanha perdeu a Guerra das Malvinas. A primeira-ministra Margareth Thatcher tem seu poder desestabilizado ao ser desafiada pelo esquerdista Tony Benn. O matemático Alan Turing vive sua homossexualidade plenamente e suas contribuições para o avanço da tecnologia permitiram não só a disseminação da internet e dos smartphones como a criação dos primeiros humanos sintéticos, com aparência e inteligência altamente fidedignas. É nesse mundo que Charlie, Miranda e Adão — o robô que divide a vida com o casal — devem encontrar saída para seus sonhos e ambições, seus dramas morais e amorosos. O novo romance de Ian McEwan desafia nosso entendimento sobre humanos e não humanos e trata do perigo de criar coisas que estão além de nosso controle. (Resenha: Máquinas como Eu – Ian McEwan)
Opinião: A inteligência artificial (AI, na sigla em inglês) é algo que faz parte do nosso cotidiano por mais que, talvez a maioria de nós, não se dê conta disso. Existem atendentes eletrônicos nas empresas de telefonia, comandos de voz que são reconhecidos por sistemas dentro de casa, computadores capazes de processar milhões de dados em minutos ou segundos… Os exemplos são muitos e, como disse, já estão no dia a dia. Não dá mais para falar de AI como se fosse algo futurista, remoto, idealizado para um mundo ainda por vir. Ainda pouco comuns, porém reais e em fases de testes mundo a fora, os autômatos são o próximo passo de evolução a invadir nossas vidas. E aí entram em cena alguns debates interessantes.
É possível conviver com uma máquina, extremamente semelhante aos humanos, que age e pensa como nós, mas não dotada de emoções? Parece fácil responder que sim. Mas vocês conseguem imaginar a convivência com essa máquina, chamemos ela de Adão ou de Eva, por exemplo, no dia a dia? Em todas as suas tarefas diárias, ou no relacionamento com amigos ou parceiros e parcerias? Estamos preparados para lidar com robôs que agem como nós e possuem um grau de processamento de informações infinitas vezes maior? Nosso ego humano suportaria?
As questões não param por aí… É possível estabelecer limites sobre o que é certo e o que é errado no trato com um robô? A partir do momento em que ele pensa, convive e divide a vida com você, ele passa a adquirir direitos? Ou será sempre uma máquina, pronta a ser desligada no primeiro momento de estresse? Aliás, robôs podem se apaixonar? Imagine que o seu robô esteja transando com sua namorada. Isso pode ser considerado como uma traição? E quanto ao senso de justiça? Robôs estão programados para cumprir tudo à risca, sem pesar consequências que às vezes tomam horas de nossa consciência. Como vamos agir se o robô decidir por conta própria delatar para a Receita aquele imposto de renda que você, dono, andou sonegando?
Os muitos questionamentos e reflexões que fiz povoam as páginas de Máquinas como Eu, uma grata incursão de Ian McEwan pelos caminhos da evolução tecnológica humana. Sem perder as características de bom prosador que tanto lhe deram fama, McEwan apresenta o cotidiano de um jovem casal às voltas com o robô Adão. O que parece, à primeira vista, um salto tecnológico fascinante para Charlie – que investe boa parte de sua herança na compra do autômato, se transforma em um desafio de convivência que instiga reflexões sobre os limites que separam homem de máquina.
Em uma Londres alternativa dos anos 1980, McEwan dispôs fatos e personagens da forma como lhe convinham – Alan Turing já havia falecido nessa época, por exemplo. Assim ele levou para o passado a discussão que promete povoar nosso futuro próximo. Com os olhos de hoje, compôs uma crônica de como uma máquina pode afetar as relações humanas pessoais e entre si. E foi além, discutindo dilemas éticos sobre comportamento não só de máquinas, mas também de homens e mulheres “proprietários”. Afinal, se você martelar um robô até ele “perder sua consciência virtual”, isso pode ser considerado um assassinato?
O casal de personagens Charlie e Miranda é o mais comum possível e vive uma vida normal de jovens cheio de sonhos em busca de construir um futuro. Há planos, projetos, ideias e há um passado com segredos e mistérios que influi diretamente no presente. Lidar com um robô, extremamente “humano”, que não somente sabe, mas consegue acessar qualquer tipo de informação, mexe com a vida deles da forma como mexeria com a nossa. É palpável. É aí que a maravilha da invenção robótica ganha ares de pesadelo. Não estamos totalmente prontos para lidar com isso.
Máquinas como Eu é um divertido e reflexivo passeio pelas relações de homens e máquinas inteligentes, com todas as características peculiares de construção narrativa de um dos maiores nomes da literatura atual. Apesar do inusitado tempo passado em que a história se passa, McEwan consegue nos fazer olhar para o presente e refletir de verdade o futuro. O desfecho é um caminho aberto para pensarmos… “As implicações das máquinas inteligentes são tão imensas que não temos ideia do que você – quer dizer, a civilização – pôs em marcha. Um fator de ansiedade é que será um choque e um insulto conviver com entidades que são mais inteligentes que você. ”
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O Autor: Ian McEwan é considerado um dos grandes nomes da ficção britânica contemporânea. Seu primeiro livro, First love, last rites (1975), ganhou o prêmio Somerset Maugham. É conhecido pela inventividade com as palavras e pelo gosto de usar a mecânica dos thrillers como crítica social. Ao longo de sua carreira foi indicado diversas vezes para receber o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio literário britânico, o que veio ocorrer em 1998 com o livro Amsterdam (1998).
Sua obra é famosa pelo realismo psicológico, com rigor de detalhes e clima ameaçador, explorando com frequência temas complexos como escolha ética, decisões difíceis e circunstâncias extraordinárias.