Sinopse DarkSide: Um pesadelo brutal que mancha de sangue o sonho americano. Em um pacato subúrbio americano, de belos jardins e casas aconchegantes, o horror e a crueldade podem ser seus vizinhos de porta. No porão da casa dos Chandler, duas garotas são mantidas em cativeiro, à mercê dos ataques de fúria de uma tia distante e de outros vizinhos igualmente cruéis. Não há escapatória. (Resenha: A Garota da Casa ao Lado – Jack Ketchum)

Opinião: Uma garota foi brutalmente torturada, assediada, abusada, humilhada e outras tantas explorações mais. Isso aconteceu no porão de uma casa. Os autores foram primos, vizinhos, todos menores de idade. A mulher responsável por cuidar da garota não somente participou como incentivou. Talvez tenha, inclusive, ensinado aos menores técnicas mais pesadas de sofrimento.

Nada disso é ficção. Aconteceu de verdade!

Essa história inspirou Jack Ketchum. A Garota da Casa ao Lado é o resultado desse horror.

Livro de conteúdo violento e não recomendado para pessoas sensíveis. Indicado para maiores de 18 anos. Essas frases impressas na contracapa de A Garota da Casa ao Lado, embora em letras pequenas, dão o tom do que os leitores que decidirem encarar essa obra vão encontrar pelo caminho. As páginas do livro de Jack Ketchum são cruas feito a carne maltratada da personagem Meg. Ao se aprofundar na trama, o sangue verte dos capítulos somando-se a duas sensações: incredulidade e impotência.

A Garota da Casa ao Lado é o relato que gostaríamos demais que fosse apenas ficção de horror. Infelizmente ele tem bases na realidade. Aí nasce nossa sensação de incredulidade. Como é possível que tais atrocidades tenham sido cometidas? Como é possível que existam pessoas assim? A personagem Meg é uma garota que vai morar com a tia, Ruth, após seus pais morrerem em um acidente. Junto a ela está sua irmã, Susan, cujos resultados do acidente a prenderam a muletas e parafusos nas pernas. Sobreviventes de uma tragédia e jogadas no terror de outra.

Meg é a garota bonita que desperta curiosidade nos olhares dos meninos. Lembre-se que estamos falando aqui da faixa etária dos catorze aos dezesseis anos. Sua beleza e seu jeito vão ser apresentados, assim como toda a história, pelo olhar de David. Ele é garoto ambíguo que participa e não participa. Vítima e algoz. E é somente a visão dele que nos é apresentada. Os demais meninos, tanto da vizinhança quanto os primos de Meg são secundários para nós nessa resenha. O que importante é que todos eles atuaram, liberaram seu lado selvagem e embarcaram sem limites nas loucuras ocorridas no porão. O que me interessa aqui é Ruth, a tia.

Um tanto desequilibrada, Ruth é aquela mulher com certo ar bonachão que faz com que todas as crianças gostem dela. É por isso que os garotos adoram estar em sua casa. Lá ela deixa que bebam cerveja. Ela fala algumas besteiras. É um paraíso se comparado às rígidas regras da casa de cada um. E é Ruth, motivada por sabe-se lá quantos traumas de infância, que vai enxergar em Meg uma garota que provoca os homens. Neste livro temos uma visão bem machista e conservadora colocada na boca de uma mulher fruto de uma época (não que hoje não existam Ruth’s, pelo contrário, mas hoje elas soam deslocadas). É Ruth que vai implicar, que vai destratar, que vai transformar a garota em sua empregada. E lá na frente vai levá-la para o porão e aplicar nela as mais cruéis técnicas de tortura e abuso que vocês possam imaginar. Tudo isso sob a justificativa de que ela provoca os homens, os garotos.

Não vou entrar nos detalhes do que acontece no porão. Cabe a vocês lerem isso. Mas é preciso estômago. É aí que entra a sensação de impotência. Porque Meg está presa e não há absolutamente nada que ela possa fazer para escapar. E nós sentimos isso. Nós sentimos que ela precisa de uma ajuda. E essa ajuda não vem. Aliás, é aqui que entra David e a ambiguidade que mencionei.

Nutrindo uma paixão platônica por Meg, David tinha tudo para ajudar a garota. Bastava falar em casa com os pais. Mas ele, em certo aspecto é conivente com tudo que presencia. Mesmo não participando de nada, ele assiste. É um voyeur de tudo o que está acontecendo e não consegue fazer nada. Talvez não queira fazer. Porque ao mesmo tempo que ele sabe que está vendo coisas erradas e absurdas, ele também sofre de um fascínio pela novidade daquilo. Violência, às vezes, encanta.

“Porque, de súbito, ficou claro para mim mais uma vez que tudo que ela podia fazer era aceitar, impotente. E perder. E eu me lembro de pensar que pelo menos não era eu. Se eu quisesse, eu poderia até mesmo me juntar a eles. Naquele instante, pensando nisso, eu tinha poder.”

Quando David decide se mexer e fazer algo, é tarde demais e ele se torna vítima também. É o ponto em que a história encontra seu caminho para o desfecho. E não esperem flores e canções de paz. É impossível que uma tragédia humana como essa tenha final feliz. Talvez diria que nem final tem, porque a tormenta nunca vai deixar a cabeça de nenhum deles. Não dá simplesmente para seguir em frente.

A Garota da Casa ao Lado é perturbador em todos os seus mínimos detalhes. Até mesmo a construção da violência em um ambiente em que ela é banalizada de um lado (o pai que bebe e espanca mulher e filho) e empurrada para debaixo do tapete de outro (vizinhos que fazem vista grossa e fingem ignorar tudo que acontece). Se nós somos frutos do meio em que vivemos, aquela rua onde Meg é torturada pode ter sido o embrião que formou cada um daqueles meninos. Ou seria Ruth? Seria essa mulher a educadora responsável por despertar o prazer em provocar dor e em torturar? Ou ainda, seriam esses meninos similares aos selvagens despertados pelo isolamento em O Senhor das Moscas?

Jack Ketchum não faz rodeios e entrega um livro visceral e que não é para qualquer pessoa. A Garota da Casa ao Lado é um horror real, sem fantasmas ou toques sobrenaturais. O monstro que povoa essas páginas é humano, está nos noticiários aqui no Brasil, está na política, na religião, no esporte, no cidadão de bem e pode, inclusive, morar na casa ao lado da nossa.

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O Autor: Jack Ketchum (1946-2018) foi autor de dezesseis romances, oito coletâneas e três noveletas, além de dezenas de contos. Desde criança preferia ficar sozinho com suas histórias e criações. Adorava assistir ao filme Nosferatu, um dos seus primeiros contatos com Horror, e apreciava o tom macabro dos monstros clássicos da Universal. Jack Ketchum foi muito incentivado por Robert Bloch, seu mentor literário e grande amigo, que enxergava nele um raro talento. Jack Ketchum trabalhou em muitos empregos diferentes antes de terminar seu primeiro romance (o controverso Off Season, publicado em 1981), e chegou a agenciar o romancista Henry Miller na Scott Meredith Literary Agency, um ponto crucial em sua carreira. Jack Ketchum ganhou quatro vezes o prêmio Bram Stoker, e viu alguns de seus livros virarem filmes, como foi o caso de A Garota da Casa ao Lado, The Lost e Red. O autor, admirado por Stephen King, Chuck Palahniuk, Neil Gaiman, entre outras personalidades, faleceu em janeiro de 2018, após uma longa batalha contra o câncer.

Resenha: A Garota da Casa ao Lado
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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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