Sinopse Intrínseca: Em 2000, Vanessa Wye é uma estudante solitária de ensino médio. Talentosa e com o sonho de ser escritora, Vanessa diz não se importar de ficar sozinha, principalmente quando seu professor de inglês, Jacob Strane, um homem de 42 anos, começa a prestar atenção nela, elogiando seu cabelo, suas roupas e lhe emprestando alguns de seus livros favoritos ― como Lolita, de Nabokov. Antes que Vanessa perceba, os dois embarcam em uma relação e a jovem acredita que o professor a ama e a considera especial. Mais de uma década depois, uma ex-aluna acusa Strane de abuso sexual, e Vanessa começa a questionar se o que viveu foi realmente uma história de amor ou se não teria sido ela também uma vítima de estupro. Mesmo depois de tantos anos, Strane ainda é uma presença constante em sua vida. Como ela seria capaz de rejeitar o que considera seu primeiro amor? (Resenha: Minha Sombria Vanessa – Kate Elizabeth Russell)

Opinião: “É estranho saber que, toda vez que eu me lembrar de mim aos quinze anos, é nisso que vou pensar.” Por mais que se discuta o abuso sexual de menores, ele nunca vai deixar de existir. Simplesmente porque ainda há uma conivência da sociedade. Ainda existem desculpas. Vista grossa. Saídas pela tangente. Reputações a serem preservadas. Sempre é possível empurrar tudo pra debaixo do tapete e deixar a vida seguir seu curso normal. Isso vale para qualquer um. Apenas esquecem da vítima. Como essa criança vai crescer? No que ela se tornará? O que o futuro reserva?

Vanessa Wye é uma dessas vítimas em que o respeitável colégio encontrou todas as saídas possíveis para que tudo fosse amenizado, abafado e esquecido. Pode até funcionar institucionalmente, mas e quando os pais e, pior, os amigos também sabem? E quando você mesma acha que tudo que está acontecendo é normal?

Jacob Strane é o professor solteiro que dá atenção em demasia para alunas. Ele sabe exatamente o que quer e sabe como conseguir. No fundo, é um jogo em que é preciso conquistar a atenção da vítima. Mostrar que entende seus sentimentos, frustrações e deixar claro que a enxerga como alguém madura demais para a própria idade. Jacob tem expertise no que faz.

Vanessa Wye é a deslocada que ninguém se importa muito em fazer amizade, sentar-se ao lado ou trocar ideias no refeitório. Ela sofre calada com isso. Jacob Strane é um predador que capta exatamente as fraquezas da aluna e se usa disso para leves toques, para um beijo, para construir uma sedução que vai terminar na cama. No sexo sem limites entre um professor e uma aluna menor de idade. E Vanessa a todo instante, e cada vez mais, vai se entregar à essa paixão. Porque é disso que se trata. Jacob não vive sem ela. Está apaixonado.

Minha Sombria Vanessa é um dos livros mais perturbadores e para usar do próprio título, sombrios, que vocês vão ler sobre o tema do abuso sexual de menores. Porque a autora soube entrar na mente da personagem com tanta intimidade que somos expostos a uma condição em que a confusão mental da vítima nos torna confusos também. Porque nós estamos lendo um abuso sexual de uma menor de idade. Nós estamos lendo uma escola que é conivente com o professor que comete o abuso. Nós estamos entendendo toda a manipulação feita. Mas também estamos lendo a interpretação dela de que nunca houve abuso. Ela sempre quis aquilo. Era amor.

A construção ambígua de Vanessa é um dos pontos cruciais que determinam a qualidade desse livro. Porque a autora não quis ficar apenas no relato de um abuso. Ela foi além, buscando traduzir a confusão da vítima e como isso influenciou no seu crescimento. E na alternância narrativa entre passado e presente, quando vemos a Vanessa dos trinta anos, ainda presa ao professor, e ainda acreditando que viveu uma história de amor, vamos entendendo como os danos causados são muito maiores do que podemos pensar. Mesmo com todas as acusações que vão surgindo e envolvendo o nome de Jacob, Vanessa ainda insiste em acreditar que com ela foi diferente. Que nunca houve abuso.

As cenas sexuais e o contexto em que elas se desenrolam vão escancarando aos leitores como se dá a conquista. Como se consegue o prêmio máximo da penetração, ao mesmo tempo que se dá carinho. Como o fetiche se mescla com o homem maduro que entende os anseios da menina estudante. É asqueroso, mas precisa ser escrito e lido. Porque a sociedade não pode ser conivente. Porque cabe a sociedade punir de um lado e cuidar de outro.

Minha Sombria Vanessa é um livro sufocante em todos os sentidos. Os leitores certamente vão sentir o incômodo de testemunhar todo um abuso, toda uma violência tanto do professor quanto da escola com sua postura para humilhar e silenciar, ao mesmo tempo que vão percebendo como a manipulação vai sendo feita. E é em cima dela que o abusador consegue o silêncio. Quantas sombrias Vanessas cresceram por aí até hoje acreditando numa história de amor?

“Mesmo que ele tenha feito alguma coisa, não pode ter sido tão ruim assim, ou O que nós poderíamos ter feito para impedir? As desculpas que inventamos para os outros são absurdas, mas não são nada em comparação com as que criamos para nós mesmos.”

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A Autora: Kate Elizabeth Russell nasceu e cresceu no Maine, Estados Unidos. Tem um doutorado em Escrita Criativa pela Universidade do Kansas e um mestrado em Belas-Artes pela Indiana University.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

3 COMENTÁRIOS

  1. Eu adorei essa resenha porque ela foi trabalhada com mais detalhes da sinopse, sem muitas informações que são legais de descobrir ao longo da leitura. Parabéns pela resenha! Terminei de ler ontem a noite e precisava ver o que as outras pessoas acharam da história e da experiência de ler o livro, devido ao impacto dos detalhes e do efeito disso tudo na vida da Vanessa.
    Eu gostei muito do final da história, mas senti falta de algumas informações ao longo da leitura. Por exemplo: como foi a vida do Jacob. Sei que o foco não dá história não foi esse, mas confesso que fiquei curiosa. Enfim, minhas leituras de 2021 começaram com impacto!

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