Sinopse Contexto: A escravidão foi abolida no Brasil no século XIX. No entanto, todo ano, pessoas são traficadas, submetidas a condições desumanas de serviço e impedidas de romper a relação com o empregador. Não raro, sofrem ameaças que vão de torturas psicológicas a espancamentos e assassinatos. Entre 1995 e setembro de 2019, mais de 54 mil pessoas foram encontradas em regime de escravidão em fazendas de gado, soja, algodão, café, laranja, batata e cana-de-açúcar, mas também em carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordéis, entre outras unidades produtivas no Brasil. Organizado pelo jornalista e conselheiro da ONU Leonardo Sakamoto, este livro mostra o que é o trabalho escravo contemporâneo, como ele se insere no Brasil e no mundo, o que tem sido feito para erradicá-lo e por que tem sido tão difícil combatê-lo. Uma obra necessária, pois, enquanto qualquer ser humano for vítima de trabalho escravo, a humanidade não será, de fato, livre. (Resenha: Escravidão Contemporânea – Leonardo Sakamoto)

Opinião: Sempre que mencionamos a palavra escravidão nosso senso associa imediatamente ao período negreiro no Brasil colônia. Na maioria das conversas, escravidão será sempre sinônimo de algo abominável ocorrido em nosso país, envolvendo negros trazidos da África, mas que teve um fim com a Lei Áurea. Injustiças sociais à parte, é inegável que no senso comum brasileiro, descontadas as poucas exceções, escravidão é algo relacionado ao passado. Mesmo que a intervalos de tempo a imprensa noticie casos de “pessoas libertadas de condições análogas à da escravidão”, ainda assim, a palavra permanece ligado ao passado.

Só que por baixo desse véu de pouca informação existe um universo de exploração da mão de obra humana tão absurdo quanto ao do período colonial. Como tudo o mais, a forma de escravizar acompanhou e se adaptou às transformações da sociedade. Ela não acabou e teima em persistir, se aproveitando de vários fatores, muitos deles típicos de países como nosso Brasil: falta de conhecimento, de fiscalização, de políticas públicas eficientes…

Na coletânea Escravidão Contemporânea, organizada por Leonardo Sakamoto com textos de diversos autores e trazendo diferentes abordagens, mergulhamos exatamente nesse universo tão perto e tão distante de nós. O Brasil do século XXI escraviza não só negros, embora eles ainda sejam maioria, mas todas as cores, raças, etnias; e atinge tanto os interiores periféricos da Amazônia quanto um grande centro como São Paulo. Porque ela é silenciosa e conta com a eficiência da ameaça e da relação de dependência. Em alguns casos, até com um sentimento manipulado de gratidão por parte da vítima.

Nos onze textos há análises e conceituações sobre a escravidão pelo mundo, legislações e políticas que vêm sendo implementadas, mas seu ponto alto é quando mergulha no Brasil e desvenda um pouco de nossa história recente. Há um passado com ecos no presente de tolerância ou vista grossa das autoridades para explorações durante a ditadura militar e corrida da borracha na Amazônia, por exemplo. Em outros pontos, nos deparamos com imigrantes de países vizinhos caindo nas mãos de empresários, lavouras e plantações no setor agropecuário, confecções de roupas, hotelaria e construção civil. É um quadro tão chocante quanto assustador.

Reconhecida como existente no Brasil somente em 1995, a escravidão, intitulada contemporânea, se aproveita das diversas condições de vulnerabilidade social, econômica e educacional dos explorados. O pior é que ainda hoje inexistem políticas públicas eficazes de enfrentamento, mesmo com um bom número de fiscalizações. Afinal, o que se faz com a pessoa que é liberta? Como reinseri-la na sociedade? Acaba-se criando uma rede de dependência em que a submissão ou outro acaba sendo mais digerível para o explorado do que cair no mundo aqui fora.

Com cerca de 40 milhões de pessoas escravizadas hoje no mundo, de acordo com estimativas da Organização Internacional do Trabalho, passa da hora de melhorarmos nossa compreensão da palavra escravidão e entender que ela precisa entrar na pauta dos debates.

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Autores: Leonardo Sakamoto, André Esposito Roston, Fabiola Mieres, Kevin Bales, Mike Dottridge, Natália Suzuki, Raissa Roussenq Alves, Renato Bignami, Ricardo Rezende Figueira, Siobhán McGrath, Tiago Muniz Cavalcanti, Xavier Plassat.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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