Opinião: Lançado no Brasil oitenta anos após sua publicação original, a polêmica obra Os Pássaros, de Frank Baker, que acusou Alfred Hitchcock de plágio no filme de mesmo nome, certamente pode vir a dividir opiniões entre os leitores tupiniquins. É um livro para ser amado ou odiado. Não há meio termo. A edição da DarkSide é uma das melhores que a editora já produziu e a capa é a mais bonita que já me deparei entre milhares de livros.

Em uma bela manhã, Londres é invadida por milhões de pássaros. Voando em grupo, pousando aos montes em praças e monumentos e causando estranheza e um certo divertimento nas pessoas, as criaturas aladas passam a ser o centro das atenções. De onde vieram? Porque estão ali? O que farão em seguida? As respostas não demoram a vir quando os pássaros decidem atacar perseguindo, ferindo e matando as pessoas. Eis a premissa do livro.

Os Pássaros é um romance apocalíptico com ares de suspense. Não é um livro de terror e passa bem longe disso. A história é contada por uma testemunha ocular, um sobrevivente dos tempos em que os pássaros vieram. Já idoso, o narrador vai rememorando passo a passo a chegada dos animais, as reações populares e das autoridades. Não há uma sucessão rápida de acontecimentos e o leitor tem que estar preparado para acompanhar num crescente o desenrolar dos fatos. Como pano de fundo, temos os dramas pessoais do narrador, suas angústias, dúvidas, desejos, e o surgimento de uma paixão lá pela metade do livro. Esteja preparado para algumas boas páginas de divagações filosóficas.

Escrito em 1936, portanto três anos antes do início da Segunda Guerra Mundial, Os Pássaros reflete em algumas passagens o clima de instabilidade da sociedade e os medos beligerantes que já começavam a rondar as conversas pela Europa. Em diversos momentos o autor parece soar um tanto profético ao evocar temores: “Percebi em tudo um sentimento terrível de instabilidade do falso mundo que havíamos erguido no lugar do mundo verdadeiro, que era nossa herança”. A própria metáfora em torno dos pássaros, uma nuvem escura a se aproximar da cidade, pode ser entendida como uma representação desse medo de que algo ruim estava para acontecer.

Recheado com minuciosas e gostosas descrições de como era a vida na Londres da década de 1930, Frank Baker não se furta de fazer pontuais críticas sociais a tipos, figuras e profissões. A própria religião é tratada numa mescla entre a adoração e o ceticismo.

Os pássaros, dotados de “pequenos olhos brilhantes com algo de cruel e perspicaz”, permanecem um mistério. Ficamos com a impressão de que são como pequenos demônios que trazem consigo o que há de pior no interior de cada pessoa. E aí cabe uma divagação se o verdadeiro propósito de sua vinda não seria a renovação da humanidade. Um novo mundo pode surgir se cada um de nós encarar seus demônios pessoais e daí começar uma nova vida.

É uma leitura que em alguns pontos vai ser lenta, mas compensada por uma sequência final eletrizante. Como sempre gosto de lembrar, temos que ter em mente a época em que o livro foi escrito, para não buscarmos cenas cinematográficas num período em que o cinema dava passos tímidos. Os Pássaros cumpre seu papel como bom romance apocalíptico. Está ouvindo uma batida na janela? Vá em frente. Abra-a e deixe os pássaros entrarem.

Avaliação: 4 Estrelas

O Autor: Frank Baker nasceu em Londres, em 1908. Trabalhou como funcionário em uma companhia de seguros marítimos na City de Londres, entre 1924 e 1929, experiência que ficcionalizou mais tarde em Os Pássaros. Seu primeiro romance, The Twisted Tree, foi publicado em 1935 por Peter Davies, depois de ser recusado por nove editoras. O livro foi bem-recebido pelos críticos e estimulou Baker a continuar escrevendo. Em 1936, publicou Os Pássaros, que vendeu apenas 300 exemplares. No entanto, em 1964 – um ano após a estreia do clássico filme de Alfred Hitchcock de mesmo nome –, Os Pássaros foi republicado pela Panther e recebeu nova atenção. O maior sucesso de Baker foi Miss Hargreaves (1940), uma fantasia cômica em que dois jovens inventam uma história sobre uma velha senhora apenas para descobrir que a imaginação deles a trouxe, de fato, para a vida. Baker continuou a escrever, tendo publicado mais de uma dezena de livros, incluindo Mr. Allenby Loses the Way (1945), Embers (1947), My Friend the Enemy (1948) e Talk of the Devil (1956). Faleceu em Cornwall, em 1983. Os Pássaros é sua primeira obra publicada no Brasil.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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