Sinopse Globo: Oskar, um garoto de doze anos, vive com a mãe no subúrbio de Estocolmo, na década de 1980. Solitário e alvo de bullying na escola, passa o tempo lendo e colecionando notícias sobre serial killers e planejando se vingar de seus perseguidores. No entanto sua rotina é alterada quando uma garota de doze anos, Eli, se muda para o apartamento ao lado. Uma profunda identificação aproxima o menino a Eli, ao mesmo tempo em que a vizinhança passa a ser assolada por uma onda de mortes misteriosas. Muito mais que sustos, o livro de Lindqvist desperta os horrores de quem tem de passar da infância para a maturidade em circunstâncias adversas e em um cenário opressivo. Com habilidade, o autor recorre a um registro naturalista, temperado de referências à cultura pop, para desenvolver uma história em que os medos são despertados tanto por elementos sobrenaturais quanto pela realidade concreta. (Resenha: Deixa Ela Entrar – John Ajvide Lindqvist)

Opinião: Às vezes não precisamos de seres sobrenaturais ou da presença do desconhecido para vivenciarmos experiências de terror. Porque essa sensação é diferente para cada pessoa. Cada um de nós provavelmente tem receio, medo, pavor de alguma coisa. Assim nasce o terror. Faço essa mini introdução porque, apesar de trabalhar com um dos mais tradicionais seres da literatura de horror, Deixa Ela Entrar é um livro que aborda outros tipos de terror, mais reais, palpáveis, cotidianos. Flertando abertamente com o drama, como já notei ser uma característica da obra de Lindqvist, a trama consegue facilmente se comunicar com os leitores ao apresentar uma realidade que está na nossa porta, na nossa escola, nas nossas relações.

O primeiro grande ponto que quero destacar em Deixa Ela Entrar é o bullying. A história se passa nos anos 1980, e quem viveu por esses períodos até meados dos anos 2000 sabe que garotos e garotas que não se encaixavam em determinados padrões eram não só excluídos dos grupos, mas também perseguidos. Havia os valentões que buscavam humilhar, se divertir, bater. E havia uma certa complacência dos adultos. Talvez a lógica fosse ou você enfrenta e cresce ou apanha. Oskar, nosso protagonista, ficou no time dos que apanhavam. Essa humilhação e esse sentimento de impotência se acumulavam dentro dele e as ideias mais cruéis de vingança floresciam. Oskar desejava matar os valentões.

Eu destaco essa parte da trama porque a partir desse bullying no ambiente escolar, Deixa Ela Entrar vai nos levando para locais e sentimentos palpáveis demais. São cenários que existem em qualquer cidade e personagens que poderiam ser nós mesmos, nossos amigos. As ruas, parques, ginásios esportivos e conglomerados habitacionais dão o tom que o livro precisa para ser real. Por isso que o terror que vai se desenrolar assusta tanto. Porque os dramas de cada personagem são bem explorados e se conectam conosco.

Segundo ponto para falarmos é o sobrenatural trabalhado de forma humana. Sim, a criatura tradicionalíssima da literatura que dá o ar de sua graça em Deixa Ela Entrar tem sentimentos, compaixão, angústias… Não é uma máquina malvada de matar. Há um instinto de sobrevivência que precisa ser saciado. E só. A partir do momento que duas realidades, Oskar e Eli, se encontram e se identificam, percebemos que às vezes é muito mais difícil conviver, entender e ser entendido pelas pessoas mais próximas de nós do que aceitar e conviver com o desconhecido, o sobrenatural, o horror.

Um último destaque vai para a palavra “solidão”. O clima frio e cinzento da Estocolmo do livro é palco para personagens que no fundo estão ou se sentem profundamente solitários. Do garoto Oskar sem amigos e com uma família instável ao grupo de homens que se entregam à bebida, passando, claro, por Eli. Todos olham bem dentro dos olhos da solidão. Mesmo acompanhados, sentem-se sozinhos. E isso faz muita diferença no conjunto geral da história.

A trama de Deixa Ela Entrar é minuciosa na sua construção e muito envolvente. Lindqvist nos conduz com maestria pelas angústias de cada personagem, fazendo introduções e nos preparando para, obviamente, um show de sangue e carnificina. Há muita ação, mas sobra drama. Porque talvez a vida seja exatamente desse jeito. Então, esqueça heróis e mocinhas. Todos neste livro têm alguma culpa no cartório seja em atos ou pensamentos. São humanos como eu e você.

Deixa Ela Entrar entrou para minha galeria de clássicos do terror e um dos meus livros favoritos. Sobra qualidade na ambientação, nas descrições e, principalmente, na forma original como o autor trabalhou um tema já muito explorado pela literatura.

“Por que não posso viver?
Porque você devia estar morto.”

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A Maldição de Domarö

Mortos entre Vivos

Deixa Ela Entrar

O Autor: John Ajvide Lindqvist nasceu em 1968 em Blackberg, um subúrbio de Estocolmo (onde muitos dos seus romances têm lugar). Sempre sonhou ter uma profissão assustadora e fantástica: primeiro tornou-se ilusionista (foi quase campeão de truques de cartas num concurso internacional) e depois comediante. Fez comédia stand-up durante mais de 12 anos e foi dramaturgo e guionista para a TV sueca. Deixa-me Entrar, o seu primeiro romance, foi um best-seller internacional, tendo sido adaptado duas vezes ao cinema. Os seus restantes romances – sempre sobre temas relacionados com a fantasia e o terror – estão publicados em todo o mundo e são também grandes sucessos junto da crítica e do público.

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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