Sinopse Companhia das Letras: Téo, um jovem e solitário estudante de medicina divide seu tempo entre cuidar da mãe paraplégica e dissecar cadáveres nas aulas de anatomia. Num churrasco a que vai com a mãe, Téo conhece Clarice, uma jovem de espírito livre que sonha tornar-se roteirista de cinema. Clarice está escrevendo um road movie de nome “Dias perfeitos”. Téo fica viciado em Clarice: quer desvendar aquela menina diferente de todas que conheceu. Começa, então, a se aproximar de forma insistente. Diante das seguidas negativas, elabora então um plano para conquistá-la: coloca-a sedada no banco carona de seu carro e inicia uma viagem pelas estradas do Rio de Janeiro. Passando por cenários oníricos, entre os quais um chalé em Teresópolis administrado por anões e uma praia deserta e paradisíaca em Ilha Grande, o casal estabelece uma rotina insólita: Téo a obriga a escrever a seu lado e está pronto para sedá-la ou prendê-la à menor tentativa de resistência. Clarice oscila entre momentos de desespero e resignação, nos quais corresponde aos delírios conjugais de seu sequestrador. O efeito é tão mais perturbador quanto maior a naturalidade de Téo. Ele fala com calma, planeja os atos com frieza e justifica suas decisões com lógica impecável. (Resenha: Dias Perfeitos – Raphael Montes)
Opinião: Há livros que despertam igualmente dois sentimentos bem distintos ao longo da leitura. De lado, a história nos envolve e os personagens cativam e fisgam a atenção. Mas de outro, essa mesma história envolvente apresenta sequências que a gente não consegue engolir. Mesmo sabendo que ficção não tem nenhum compromisso com a realidade, a gente ainda assim fica ressabiado com o quanto as coisas deram certo demais para servir aos desejos de alguns personagens. É mais ou menos isso que aconteceu comigo durante a leitura de Dias Perfeitos.
Raphael Montes despontou como um nome promissor da literatura de suspense nacional, e talvez seu sucesso tenha sido responsável por diversas editoras finalmente abrirem suas portas para autores brasileiros do gênero. Isso é muito bom porque tem coisa boa demais sendo escrita e nós, amantes dos bons mistérios, precisamos apoiar sempre que possível. E Dias Perfeitos é seu segundo romance, mas minha experiência com sua obra não tem seguido a ordem de publicação – acho uma falha minha nesse caso, mas faz parte. Digo isso porque, Uma Mulher no Escuro, último livro que Montes publicou me conquistou de ponta a ponta, mostrando uma maturidade incrível. Já Dias Perfeitos, segundo romance…
A obra traz um psicopata fantástico. O estudante de medicina Téo é um personagem incrível pela sua frieza, cálculo e crueldade. Ao mesmo tempo em que é uma pessoa comum, dessas que a gente mantém amizade. Isso ajuda muito a definir um psicopata, aliás. Mantendo as aparências exteriores que garantem a convivência social, por dentro Téo é extremamente perturbado, julgando e desprezando as pessoas ao seu redor. E elas são muito poucas. Sua “paixão”, e talvez única amizade, é um cadáver que ele disseca nas aulas de anatomia. Fora isso, sua rotina é dedicada aos cuidados com a mãe, presa em uma cadeira de rodas por conta de um acidente de carro que matou o marido.
Quando Téo esbarra em Clarice numa festa a que vai acompanhando a mãe, surge um amor. Doentio. E vamos acompanhar uma sequência interessante de cenas de um stalker em ação para se aproximar da garota. Porque Téo quer o amor de Clarice e na sua cabeça ele já desenhou todo um futuro junto a ela. E aí Montes vai trazer um sequestro com Clarice mantida presa em diferentes lugares, sofrendo vários tipos de tortura, abuso, violência, em capítulos bem pesados e com nenhum pudor. É tudo bem visceral e torna a leitura chocante e nauseante.
A construção do personagem Téo é o ponto-chave de destaque em Dias Perfeitos. Seu raciocínio rápido para despistar as famílias, inventar saídas, encontrar novos caminhos é muito bem desenvolvido. Raphael consegue facilmente nos colocar dentro da mente do garoto e vivenciar através dos seus pensamentos toda a loucura de amor que ele fantasia ao mesmo tempo em que é tudo muito frio. Clarice para ele é um amor a ser conquistado. Um objeto. E em certo ponto ele chega a acreditar que tem uma função de ajudá-la a ser alguém melhor. Seja na escrita dos roteiros – Clarice é roteirista e está escrevendo um quando é sequestrada, seja em forçá-la a parar de fumar pensando nos cuidados com a saúde. É doentio demais e confesso que seria interessantíssimo ver esse personagem ganhar vida em uma série ou filme.
Só que a aventura de Téo nesse sequestro esbarra em muitas passagens que não dá pra engolir e foi nesse ponto que, pra mim, a leitura perdeu um pouco sua força. A facilidade com que ele tirou a mãe de Clarice de cena, pessoalmente, acho a parte mais impossível de aceitar. Porque não foi construída uma família em que havia laços rompidos. Havia distanciamento, mas não a tal ponto de ele conseguir manter todo mundo afastado. É muito difícil aceitar que a mãe dela simplesmente considerou aquilo tudo normal. Mas, vamos reforçar, essa é a minha experiência de leitura.
Então, apesar de ter captado minha atenção numa trama bem frenética e interessante que eu curti demais, essa mesma trama trouxe sequências e atos muito improváveis. Porque forçou-se demais a realidade para ela se adequar ao que Téo precisava para empreender sua trajetória maluca de sequestro por diferentes lugares do Rio. E eu tenho um certo limite do que aceito como liberdade de criação da ficção do que considero “forçar demais a barra na ficção”.
Apesar disso, e de outros capítulos em que eu de fato não engoli as facilidades em demasia, o conjunto doentio de Dias Perfeitos faz do livro uma ótima leitura para os fãs do gênero. Incluindo aí o desfecho bem aberto e ambíguo que deixa para os leitores a tarefa de surtarem em busca de teorias e explicações para o que aquilo ali significou. Confesso que eu sou apaixonado por finais como esse. Justamente porque eles entregam a nós a missão de decidir “o que aquilo ali quer dizer”. E, sim, eu tenho uma teoriazinha bem minha e que posso compartilhar com vocês via Direct pelo Instagram do Leitor (clica aqui e chama lá).
Numa comparação direta entre Dias Perfeitos e Uma Mulher no Escuro, enxerguei um autor em franca ascensão. E se vale uma última observação, Raphael Montes vem se mostrando, a meu ver, um autor bem frio, disposto a entregar histórias em que ele não se importa nem um pouco com o estômago dos leitores. É visceral demais. E nós amamos muito tudo isso.
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Dias Perfeitos
O Autor: Raphael Montes nasceu no Rio de Janeiro em 22 de setembro de 1990. Advogado e escritor, teve contos publicados em diversas antologias de mistério, inclusive na Playboy, na antologia “Rio Noir” e na prestigiada revista americana Ellery Queen’s Mystery Magazine. Aos 20 anos, impressionou a crítica e público com Suicidas, um suspense policial finalista do Prêmio Benvirá de Literatura 2010, do Prêmio Machado de Assis 2012 da Biblioteca Nacional e do prestigiado Prêmio São Paulo de Literatura 2013.
Todos os seus livros tiveram os direitos de adaptação vendidos para o cinema e estão em produção. Entre abril/2015 e fevereiro/2018, Raphael assinou uma coluna semanal em O Globo. Atualmente, o escritor apresenta o “Trilha de Letras”, um programa semanal sobre literatura na TV Brasil. Além disso, escreve roteiros para cinema e TV.