Sinopse José Olympio: Ao narrar as histórias de Conceição, Vicente e a saga do vaqueiro Chico Bento e sua família, Rachel de Queiroz, imortal da Academia Brasileira de Letras, expõe de maneira única e original o drama causado pela histórica seca de 1915, que assolou o Nordeste brasileiro. O Quinze expressa uma questão atual: o duelo entre o homem e a terra. A história da seca nordestina, as expectativas e as angústias que ela provocou são aqui retratadas com simplicidade e força. (Resenha: O Quinze – Rachel de Queiroz)
Opinião: Primeiro romance de Rachel de Queiroz, O Quinze é um soco no estômago pela simplicidade direta com que expõe a dureza da seca nordestina. A narrativa é forte, com cenas pesadas que se entremeiam com a aspereza do cenário. Personagens e natureza se confundem em frases onde as metáforas se sobrepõe. É a luta dos homens, mulheres, crianças e animais contra um inimigo invisível que ataca sem dó. Mesmo na singeleza de algumas passagens, O Quinze é um livro que sufoca, perturba e faz pensar.
Inspirada na grande seca que atingiu o Ceará em 1915 – daí a inspiração para o título do livro, Rachel de Queiroz se embrenha num tema bastante explorado pela literatura regionalista brasileira: a seca, o sertão, a fome, o sertanejo obrigado a migrar. Mas faz isso de uma forma muito direta e com uma construção simples e objetiva de seus personagens. Talvez o principal personagem seja a natureza que desfia sua crueldade sob um sol inclemente colocando homens e animais à prova.
“– E nem chove, heim, Mãe Nácia? Já chegou o fim do mês… Nem por você fazer tanta novena…”
O drama de O Quinze começa pelos olhos de Conceição, jovem professora de Fortaleza que sempre passa as férias escolares com sua avó, Inácia, em Quixadá. A chuva não vem e as pessoas já começam a recorrer de forma mais insistente às bençãos de São José cuja festa, em 19 de março, costuma ser considerada como o limite para os sinais de um ano com boas chuvas ou de intensa seca.
Conceição é uma mulher independente, mergulhada em estudos e com pensamentos bem à frente da sociedade da região e de seu tempo. Ao longo de diversas passagens do livro, vamos perceber a chama de uma paixão dela por Vicente, um vaqueiro às voltas com os cuidados com o gado da fazenda. Há a correspondência desse interesse, mas ambos vão se ver separados pela tragédia da seca. Os caminhos deles vão se separar e reencontrar, mas o pesadelo que assola o Ceará vai ser mais forte e, sem muitas palavras a serem ditas, essa chama vai ficar dormente.
Em outro cenário, o vaqueiro Chico Bento se vê sem emprego, e junto da família inicia uma saga pelos caminhos do sertão até Fortaleza em busca de ajuda do governo e, posteriormente, chegar ao Amazonas. É aqui que o drama de O Quinze atinge o auge. Porque a travessia da família é marcada por inúmeras tragédias e pelo fantasma da fome assombrando de forma impiedosa.
Raquel não faz floreios e traz cenas fortes. O homem é submetido à humilhação de precisar pedir para alimentar os filhos; a mulher traz consigo um filho ainda de colo e outros mais, todos emagrecendo e ficando esqueléticos. A cada curva da estrada, um desafio maior para se conseguir comida, compaixão. E numa cena tocante, logo no princípio da jornada, o vaqueiro se compadece de um grupo e divide sua parca comida com eles. Com fé que para o amanhã, Deus há de provir.
“E a mão servil, acostumada à sujeição no trabalho, estendeu-se maquinalmente num pedido… mas a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante.”
A história de Rachel traz um terceiro elemento que tanto protagoniza quanto castiga. A natureza é constante em todos os capítulos do livro. As descrições comparam homens e sertão, fundindo-os num mesmo cenário. E sentimos a secura e a angústia dos personagens de forma quase palpável. Cada capítulo é um novo retrato, como se estivéssemos diante de pinturas retratando esse grande drama. As sequências são curtas, diretas e descortinam aos leitores aqueles pequenos momentos que Chico Bento, Cordulina, Vicente, Conceição e os demais vivenciam.
Em Fortaleza, há um campo para receber os refugiados. Há mais drama, mais miséria e mais histórias se cruzam com Conceição encontrando Chico Bento, seu compadre. Os destinos vão ser traçados e cada um vai seguir rumo novo sem muita certeza do que está por vir.
A chuva vai reencontrar o caminho e fazer lentamente o verde voltar a aparecer pelo chão seco e castigado. E engana-se quem pensa que Rachel traz cores de alegria para escrever seu final. No sertão, comemora-se a volta da água, mas todos sabem que ainda há muito a se esperar até que tudo volte ao normal. Vidas foram perdidas e vidas foram duramente modificadas. Sonhos e planos foram desfeitos e refeitos. É assim que as coisas são…
O Quinze é uma leitura rápida e impactante. É uma dessas joias da literatura brasileira de que pouco se fala, mas que merecem demais a nossa atenção. De todos os livros escritos sobre a seca esse talvez seja o mais perturbador. Ele toca nas feridas dos sertanejos e expõe de forma bem crua a miséria que atingiu o nordeste brasileiro e que por tanto tempo passou despercebida ou ignorada pelo poder público. Foi a estreia de Rachel na literatura. Uma estreia grandiosa!
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O Quinze
A Autora: Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, em 1910. A autora fugiu da seca de 1915 com a família para o Rio de Janeiro, onde teve que permanecer em repouso por conta de uma doença nos pulmões, assim, escreveu seu primeiro livro mais conhecido: O Quinze, publicado em 1930. Foi também jornalista, tradutora e teatróloga. Autora de destaque na ficção social nordestina, Rachel de Queiroz foi a primeira mulher escritora na Academia Brasileira de Letras, 1977, e também a primeira mulher vencedora do Prêmio Camões, 1993. Faleceu em 2003.