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Resenha: Heróis da Fronteira – Dave Eggers

Sinopse Companhia das Letras: A vida estava complicada para Josie. Ela se divorciou, foi processada por um antigo paciente, perdeu seu consultório odontológico e se culpava pela morte de um jovem conhecido. Quando o ex-marido pretende apresentar os filhos à família de sua atual noiva, Josie decide escapar para o Alasca com as crianças, Paul e Ana. Num primeiro momento, parecem estar numa viagem de férias: eles veem ursos, bisontes e alces, comem cachorro-quente preparado na fogueira e passam as noites estacionados às margens de rios ou em florestas escuras. Mas enquanto eles viajam no velho trailer que se tornou sua casa, forçados a ir cada vez mais para o norte por conta dos inúmeros incêndios naturais, Josie é perseguida por seus inimigos reais e imaginários, e os erros do passado continuam a assombrar sua pequena família, mesmo num dos lugares mais ermos do planeta. Heróis da fronteira é um retrato muito bem-humorado dos Estados Unidos de hoje e, sobretudo, das famílias contemporâneas. Um romance admirável que tem a originalidade e a inteligência típicas das obras de Dave Eggers. (Resenha: Heróis da Fronteira – Dave Eggers)

Opinião: Pense em uma mãe que determinado dia, após uma sucessão de desgostos, decide pegar o casal de filhos pequenos e partir para o Alasca. Ali ela vai alugar um trailer e simplesmente cair na estrada sem um rumo bem definido a não ser explorar. É meio que aquela fase da vida em que a gente às vezes brinca dizendo que “vamos jogar tudo pro alto”, tipo o meme do cara jogando os papéis pra cima, sabem? Então, é exatamente o que Josie, a protagonista de Heróis da Fronteira, decide fazer.

Exímio contador de histórias, Dave Eggers mergulha no cotidiano não só de uma família norte-americana, mas principalmente de uma mulher, mãe, divorciada após um casamento surreal com um cara mais imaturo que os filhos, e que carrega consigo as responsabilidades da vida familiar e profissional. Não só isso. Josie enfrenta um processo de uma paciente que a acusa de descuido médico e nutre a culpa por ter incentivado um jovem a se alistar para servir no Afeganistão. Tudo isso acumulado, um dia faz “girar a chave” no cérebro dela e a empurra para esse período sabático no Alasca. Que vai se transformar em uma aventura quase rocambolesca.

Heróis da Fronteira é uma narrativa que começa vigorosa devido ao ritmo em que as coisas vão acontecendo e pela forma como a protagonista vai contando e relembrando episódios da vida que a trouxeram até aquele momento. Eggers capricha no bom humor e brinda os leitores com passagens impagáveis que beiram a comédia descarada. Mas a aventura fica cansativa à medida que nunca chega ao fim e cenas cada vez mais improváveis vão se sucedendo e colocando em xeque toda a boa construção que o autor havia feito até então.

Se aventurar num trailer pelo Alasca na companhia dos dois filhos, Ana e Paul, sem destino definido parece uma boa programação de férias e serve como uma catarse de tudo o que Josie tinha sobrecarregando seus pensamentos e sua rotina. Era aquela fuga que todos nós precisamos em algum momento da vida. E tudo transcorre muito bem e verossímil demais. Porque o autor ambientou bem a história para retratar o universo de uma família norte-americana. E aí temos boas reflexões, conhecemos passados de sofrimento e drama, e temos um reencontro familiar de Josie com a irmã.

Mas a mãe que sai de férias com os filhos também começa a soar uma pessoa pra lá de negligente em dezenas de sequências absurdas. É aí que, pra mim, o livro perdeu um pouco do fascínio, e do rumo. A “fuga da realidade” que citei descamba para perigos reais em que ela se coloca a troco de não fica muito claro o que. E nunca chegamos a um desfecho porque sempre há um novo capítulo com uma nova aventura ou descoberta. As últimas duzentas páginas já soaram, pra mim, chatas, lentas e sem atrativos (vale mencionar que Josie entra numa de compositora com um grupo de músicos em uma das passagens mais desnecessárias e chatas de todo o livro).

Então, Heróis da Fronteira se tornou aquele livro que mistura sensações. Por um lado, a história me divertiu, encantou e emocionou pra caralho. Os filhos, Ana e Paul, são maravilhosos e renderam excelentes passagens e amadureceram muito ao longo da trama. Mas, por outro lado, a história também ficou maçante devido ao tamanho, e perdeu o encanto à medida que passagens improváveis entraram em cena e tiraram um pouco do ar de realidade que havia sido muito bem construído até então.

Encerrei a leitura já meio empanturrado – pensem que são mais de quatrocentas páginas, mas ainda satisfeito pelo conjunto da obra. Heróis da Fronteira rendeu bons momentos de humor e de emoção e desnudou um pedacinho de uma família, ou uma mulher, que só queriam seu lugarzinho calmo no mundo para tocar a vida, sonhar e ser feliz.

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O Círculo

O Autor: Dave Eggers nasceu em 1970, em Boston. É jornalista, escritor e editor da McSweeney’s, editora independente com sede em San Francisco, e da revista The Believer. Escreveu diversos livros, dos quais a Companhia das Letras publicou O que é o quê, Os monstros (versão romanceada do roteiro que originou o filme Onde vivem os monstros), Zeitoun, Um holograma para o rei e O círculo ― os dois últimos ganharam as telas do cinema com Tom Hanks no papel principal.

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