Resenha: Medicina dos Horrores – Lindsey Fitzharris
Sinopse Intrínseca: A historiadora Lindsey Fitzharris narra como era o chocante mundo da cirurgia do século XIX, que estava às vésperas de uma profunda transformação. A autora evoca os primeiros anfiteatros de operações — lugares abafados onde os procedimentos eram feitos diante de plateias lotadas — e cirurgiões pioneiros, cujo ofício era saudado não pela precisão, mas pela velocidade e pela força bruta, uma vez que não havia anestesia. Não à toa, os mais célebres cirurgiões da época eram capazes de amputar uma perna em menos de trinta segundos. Trabalhando sem luvas e sem qualquer cuidado com a higiene básica, esses profissionais, alheios à existência de micro-organismos, ficavam perplexos com as infecções pós-operatórias, o que mantinha as taxas de mortalidade implacavelmente elevadas. É nesse cenário, em que se considerava mais provável um homem sobreviver à guerra do que ao hospital, que emerge a figura de Joseph Lister, um jovem médico que desvendaria esse enigma mortal e mudaria o curso da história. (Resenha: Medicina dos Horrores – Lindsey Fitzharris)
Opinião: A cirurgia está prestes a começar em um anfiteatro lotado de expectadores. São estudantes de medicina ou profissionais da área presentes para assistir a uma intervenção cirúrgica tal qual um evento teatral. Não existe anestesia e o clima de sujeira e pouca preocupação com limpeza de instrumentos é tão comum quanto respirar. Respirar, aliás, um ar fétido. O cirurgião não lava as mãos e o sangue do paciente se mistura a manchas, em seu jaleco, de operações passadas. Poderia muito bem ser uma cena digna de um suspense de terror se não fosse a realidade. Estamos em meados do século XIX na Inglaterra da Rainha Vitória e uma cirurgia significa, sem exageros, um passo mais rápido para a morte.
Acostumados em uma época em que a medicina e a ciência atingiram níveis de excelência descobrindo detalhes inimagináveis e acelerando conquistas na cura de doenças, soa fictício demais para nossos ouvidos os relatos de como a prática médica, notadamente em casos de intervenções cirúrgicas, teve um primitivismo de agonia. Medicina dos Horrores, de Lindsey Fitzharris, desvenda um pouco de um período decisivo para a revolução médica a partir de uma linguagem extremamente acessível, coloquial e adequada ao público leigo. Biografando a vida de Joseph Lister (ponto para você que associou o nome ao Listerine), o livro traz um panorama geral de um quadro chocante de sofrimento de pacientes somado à falta de higienização dos hospitais e, principalmente, salas de cirurgia.
Apesar de o título soar como obra de terror – e em algumas passagens ela o é, Medicina dos Horrores é um livro histórico-biográfico. Acompanhamos em suas páginas a trajetória de um jovem que ao se entregar à prática médica sempre se incomodou com as altas taxas de mortalidade resultantes de operações. Embora, à época, os óbitos quase soassem como parte da rotina, Lister acreditava que havia algo errado no próprio ambiente cirúrgico que influenciava na convalescença ou na morte. E foi a isso que ele dedicou sua vida.
Conhecidos como casas da morte, os hospitais eram lugares apavorantes em que podia-se sair mais doente do que quando se tinha entrado. Isso quando se saía andando e não em um caixão. O ambiente sujo e a pouca ou nenhuma preocupação com higiene faziam com que os pacientes pagassem um preço alto. Infecções eram comuns e não havia no corpo médico nenhuma associação entre limpeza e doença. Até que Joseph Lister começou e pesquisar e se entregar a testes que levariam ao conceito de antissepsia (eliminação dos micróbios). Mas a batalha foi árdua, porque qualquer nova ideia, como bem sabemos, sofre resistências. Na classe médica londrina, a resistência vinha em forma de troca de acusações e desmerecimentos em jornais e periódicos. Existiam, portanto, duas batalhas em campo: derrotar o alto número de mortalidade nos hospitais e fazer com que novas práticas fossem aceitas pela comunidade médica.
Inúmeros conceitos que são óbvios hoje eram estranhos ou totalmente desconhecidos no século XIX, e é curioso ver como foi o processo de desenvolvimento e de aceitação de novas ideias. E como elas foram aprimoradas de forma a revolucionar a medicina e influenciar diretamente nessa evolução que vivemos hoje. Medicina dos Horrores vem, talvez, preencher uma lacuna gigante em obras do gênero voltadas para leitores leigos. Mesclando passagens da vida de Lister e registros de cartas e diários com exemplos catalogados de diversos outros médicos e cirurgiões do período, o livro constrói um amplo panorama da evolução do pensamento médico e, como o próprio título sugestiona, descortina um cenário de horrores vividos por quem precisava se aventurar nos cuidados de um bisturi. É uma obra curiosa, extremamente informativa e que abre nossos olhos para um assunto tão pouco comum na literatura brasileira.
“Sabíamos que estávamos em contato com um gênio. Sentíamos que estávamos ajudando na criação da história e que tudo estava ganhando novos ares.”
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A Autora: Lindsey Fitzharris recebeu seu grau de doutora em história da ciência e da medicina na Universidade de Oxford. É a criadora do popular site The Chirurgeon’s Apprentice, bem como autora e apresentadora da série Under the Knife, no YouTube. Escreveu para veículos como The Guardian, The Huffington Post, The Lancet e New Scientist. Atualmente, mora no interior da Inglaterra com o marido, Adrian Teal, e seus dois gatos.