Sinopse Intrínseca: Reportagem definitiva sobre a tragédia que abateu a cidade de Santa Maria em 2013 relembra e homenageia os 242 mortos no incêndio da Boate Kiss. Foram necessárias centenas de horas dos depoimentos de sobreviventes, familiares das vítimas, equipes de resgate e profissionais da área da saúde – ouvidos pela primeira vez neste livro -, para sentir e entender a verdadeira dimensão de uma tragédia sobre a qual já se pensava saber quase tudo. A autora construiu um memorial contra o esquecimento dessa noite tenebrosa, que nos transporta até o momento em que as pessoas se amontoaram nos banheiros da Kiss em busca de ar, ao ginásio onde pais foram buscar seus filhos mortos, aos hospitais onde se tentava desesperadamente salvar as vidas que se esvaíam. Foi também em busca dos que continuam vivos, dos dias seguintes, das consequências de descuidos banalizados por empresários, políticos e cidadãos. (Resenha: Todo Dia a mesma Noite – Daniela Arbex)

Opinião: Mergulhar nos escombros de tragédias para deles extrair histórias que não somente honrem a memórias das vítimas, mas também sirvam de lição e alerta para os que ficam e para gerações futuras é uma tarefa nobre e difícil. Cada fragmento remexido traz consigo a história de quem se foi, de quem ficou, daqueles que se envolveram por algumas horas ou dias ou mesmo dos que passaram a fazer parte e talvez até hoje ainda sobrevivam em meio a cicatrização das feridas. Os escombros da Boate Kiss, e as vidas de 242 jovens, não são fáceis de serem explorados. A linha que separa a reportagem séria do sensacionalismo é tênue e quase invisível, e são poucos os nomes hoje no Brasil capazes de documentar com competência e sensibilidade uma tragédia de tamanhas proporções. A isso se propôs Daniela Arbex em Todo Dia a mesma Noite.

Dos escombros da Boate Kiss explorados no livro ecoam cenas corriqueiras de relações entre pais e filhos, irmãos, amigos, vizinhos, patrões e empregados. Daniela nos conduz pelas lembranças das famílias divididas pelo riso da véspera e a agonia da procura pela notícia boa. Na cronologia de um livro cujo final já é conhecido, a juventude com sede de vida de cada garoto e garota se mistura com a dor de seguir em frente de quem ficou. As histórias que compõe Todo Dia a mesma Noite não se encerram ali e tampouco são totalmente dimensionadas pela obra. Temos apenas pequenas noções do que podem ter sido aqueles dias. A realidade de Santa Maria somente aquelas pessoas que lá estão são capazes de perceber, dimensionar e sentir.

Mergulhar nos escombros dessa tragédia é encontrar jovens tão cheios de energias e planos quanto qualquer um que nos rodeia. É conhecer famílias totalmente destruídas e sem forças para encontrar um ponto de reconstrução. É descobrir os que encontraram na dor a motivação para seguir em frente em honra dos que se foram. É perceber o sentimento de ajuda e dever para com o próximo que aflora em muitos, mas também é se assombrar com a insensibilidade e desprezo de outros. É se horrorizar com aqueles que, indignos de pronunciar o nome de Deus, falam em nome dele. São fragmentos que mostram o melhor e o pior do ser humano narrados com a sensibilidade e no tom exato que o fato pedia.

No momento em que o Brasil tanto discute instâncias para prisões e os passos da justiça, a leitura de Todo Dia a mesma Noite ainda provoca questionamentos. De lá pra cá, afora os oportunismos eleitoreiros de sempre, o que se fez de concreto para que tragédias como essa não aconteçam? Nos meses seguintes ao episódio, inúmeras prefeituras Brasil a fora colocaram seus fiscais na rua numa caça às bruxas em bares, boates e o que fosse possível. Eram os governantes mostrando ação. E hoje? No vai-e-vem das investigações, entre a dor de familiares e o ego de magistrados, o que houve de punição para os culpados? Quantas instâncias são necessárias para se punir responsáveis por 242 vidas?

Todo Dia a mesma Noite não é um livro fácil. É clichê falar em “sonhos interrompidos”, mas que outra expressão melhor define não só as vidas das 242 vítimas, mas de todos os sobreviventes atingidos de alguma forma pela tragédia? Daniela Arbex equilibrou na medida certa a dor, a indignação, o desespero, as alegrias das boas lembranças e aquela interrogação que paira sobre o futuro. É um livro doloroso, mas necessário, e que honrou como poucos saberiam honrar a memória desses brasileiros.

Avaliação: 5 Estrelas

A Autora: Daniela Arbex é uma das jornalistas do Brasil mais premiadas de sua geração. Repórter especial do jornal Tribuna de Minas há 18 anos, tem no currículo mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três prêmios Esso, o mais recente recebido em 2012 com a série “Holocausto brasileiro”, dois prêmios Vladimir Herzog (menção honrosa), o Knight International Journalism Award, entregue nos Estados Unidos (2010), e o prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina e Caribe (Transparência Internacional e Instituto Prensa y Sociedad), recebido por ela em 2009, quando foi a vencedora, e 2012 (menção honrosa). Em 2002, ela foi premiada na Europa com o Natali Prize (menção honrosa).

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Jornalista e aprendiz de serial killer. Assumidamente um bookaholic, é fã do mestre Stephen King e da literatura de horror e terror. Entre os gêneros e autores preferidos estão ficção científica, suspense, romance histórico, John Grisham, Robin Cook, Bernard Cornwell, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Saramago, Vargas Llosa, e etc. infinitas…

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