Opinião: O Planeta dos Macacos é um daqueles livros cujas adaptações cinematográficas acabam os ofuscando e eles são legados pelas editoras a um injusto segundo plano, quiçá ao esquecimento. Lançado em 1963 e imortalizado pelo filme de 1968 protagonizado por Charlton Heston, este relato é uma das mais profundas reflexões que a literatura já fez sobre questões como a evolução, a inteligência humana, o domínio da tecnologia e a racionalidade, entre outras. A edição mais recente disponível no Brasil, da Aleph, é um colírio para os olhos apaixonados por livros, com um excelente projeto gráfico e extras que complementam perfeitamente a narrativa.
A história, já bem conhecida por todos, é narrada em primeira pessoa pelo jornalista Ulysse Mérou. Ele nos conta como embarcou como tripulante numa viagem de exploração do professor Antelle até a estrela Betelgeuse. Lá, encontram o planeta Soror, com condições de vida semelhantes à Terra, e decidem pousar para melhor efetuar suas pesquisas. Este planeta traz duas peculiaridades: os seres humanos que eles encontram vivem num estado selvagem, quase como animais; e os habitantes que formam uma sociedade bastante evoluída e organizada são macacos.
A partir do momento que Ulysse é caçado e preso junto a outros humanos, Boulle nos guia para dentro desse ambiente símio em que tudo é exatamente igual à nossa vida. Roupas, utensílios, costumes, níveis sociais… O mundo dos macacos é um reflexo do nosso, e esse aparente absurdo não causa nenhum choque, nem no personagem-narrador nem em nós leitores, tamanha a qualidade da escrita. Este planeta dominado pelos macacos é extremamente verossímil e serve de base para inúmeros debates e reflexões à cerca da capacidade evolutiva das espécies.
Quando Ulysse consegue chamar a atenção dos macacos para o seu lado racional e se mostra como um ser diferente dos demais humanos, ele é aceito para conviver e conhecer esse mundo. Através dos seus olhos, vamos desvendando como os macacos evoluíram ao ponto de deixar homens para trás, e vamos nos chocando ao sermos confrontados com situações que para nós são simples atos de lazer, mas que quando os papéis se invertem o incômodo é inevitável. Um dos exemplos mais marcantes é o passeio ao zoológico onde homens, mulheres e crianças estão atrás das grades para divertir os macacos e ganhar torrões de açúcar. E o que pensar de experiências de laboratório com cobaias humanas?
O relato de Ulysse nos mostra que é possível tanto regredir a um estado animalesco e perder a razão, o espírito, as emoções, quanto a readquirir estes mesmos sentimentos e características. E no jogo de perguntas que a história vai colocando em nossa cabeça, ficamos com a sensação de que o fato de ser dotado de uma alma racional não nos dá o direito de subjugar outras espécies inferiores. Tanto homens quanto macacos deixam a clara impressão de superioridade quando olham para o outro. Aquele orgulho de dominar o que o outro mal sabe identificar. É um comportamento correto? É um comportamento que se justifica simplesmente pela capacidade de pensar? Ou, em resumo, ser racional é sinônimo de ser superior?
Estas e muitas outras questões vão sendo levantadas à medida que a história avança, conduzindo magistralmente para um dos finais mais surpreendentes e, opinião minha, maravilhosos que já se produziu na literatura. Diferente do término do filme, O Planeta dos Macacos-livro se encerra de forma a esmagar todas as ideias ou esperanças que possamos ter concebido durante a leitura. Uma cena antológica que pode provocar choque, perplexidade ou até mesmo, risos.
Se você quer sair da sua zona de conforto de espécie dominante e fazer conjecturas sobre “e se…”, esta é uma leitura obrigatória. Pierre Boulle nos legou uma obra universal com todos os ingredientes para perturbar e provocar reflexões em infindáveis gerações. Sejam elas de leitores humanos ou macacos.
Avaliação: 5 Estrelas
O Autor: Pierre Boulle nasceu a 19 de fevereiro de 1912, em Avignon, França. Estudou Engenharia Eletrotécnica na Escola Superior de Eletricidade de Paris e, depois de ter exercido a profissão em França, mudou-se para a Malásia, em 1938. Na Segunda Guerra Mundial, com a ocupação da França pelas tropas alemãs, juntou-se à Missão Livre francesa em Singapura. Serviu como agente secreto com o nome de Peter John Rule, auxiliando o movimento de resistência da China, da Birmânia e da Indochina.
Suas duas obras mais famosas são A Ponte do Rio Kwai (1952) e O Planeta dos Macacos (1963), ambos convertidos para cinema com enorme sucesso. A Ponte do Rio Kwai reflete em grande medida as suas experiências enquanto prisioneiro de guerra, enquanto que O Planeta dos Macacos se concentra no descontentamento com o mundo, de cujo potencial para cometer atrocidades é bom conhecedor. Entre os seus últimos trabalhos contam-se La Baleine Des Malovines (1983), Le Professeur Mortimer (1988) e A Nous Deux Satan (1992). Pierre Boulle foi oficial da Legião de Honra, medalhado com a Cruz de Guerra e a Medalha da Resistência. Faleceu a 30 de janeiro de 1994, em Paris.