Sinopse Todavia: Com base em diários, documentos e arquivos, Delmo Moreira recria os caminhos e desvios da primeira expedição científica brasileira. Ao centro de tudo estão Capanema, Freire Alemão e Gonçalves Dias, cujas vidas se entrelaçam com a própria história do país. Amigo do imperador, Capanema tinha na expedição uma oportunidade de se esbaldar longe da metrópole. Gonçalves Dias fugia de um casamento infeliz e Freire Alemão via ali o ápice de suas ambições profissionais. Este livro é um passeio pela história da ciência e da pesquisa no Brasil, bem como um retrato não apenas da expedição, mas de um país que era visto pela primeira vez. (Resenha: Catorze Camelos para o Ceará – Delmo Moreira)
Opinião: Do Argel, catorze camelos atravessaram o oceano rumo ao Brasil, mais precisamente ao Ceará. Eles faziam parte daquilo que viria a ser a primeira expedição científica brasileira. E não é segredo para ninguém que o imperador D. Pedro II era um amante e incentivador da cultura, das artes e da ciência. Mas o episódio dos camelos, cujo objetivo era adaptá-los ao nordeste brasileiro, acabou ficando para a nossa extensa galeria de fracassos retumbantes, provenientes de ideias estapafúrdias, que serviram apenas para onerar os cofres públicos.
A despeito dos descaminhos da cáfila imperial, a expedição científica que percorreu boa parte do Ceará e trechos da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco se não foi um sucesso absoluto, pelo menos desbravou com olhares brasileiros o nosso país. Porque até então, as expedições que se aventuravam por aqui eram integralmente europeias e traziam, em alguns casos, algumas visões já pré-concebidas. A partir do trabalho de Freire Alemão, Gonçalves Dias, barão de Capanema, Raja Gabaglia, Manoel Ferreira Lagos e José dos Reis Carvalho tivemos uma primeira catalogação e produção científica verdadeiramente brasileiras sobre nossa fauna, flora, mineralogia, entre outros.
Essa aventura pouco conhecida do público em geral é resgatada na obra Catorze Camelos para o Ceará, do jornalista Delmo Moreira. Através de extensa pesquisa, ele reconstitui a saga do grupo pelos interiores do nordeste, as contradições encontradas pelo caminho, a imensa desigualdade de um Brasil que continha brasis pra lá de abandonados e miseráveis e os descaminhos que a vaidade, os egos e o espírito boêmio de alguns expedicionistas causaram pelos locais visitados.
A narrativa de Delmo passa longe de um relato histórico tedioso. Pelo contrário, é fluida, envolvente e com boas pitadas de humor. Entremeando o avanço da expedição com as intrigas e oposições da corte, no Rio de Janeiro, ele contextualiza historicamente muitas passagens e nos ajuda a conhecer um Brasil que ainda estava longe de ser uma nação de verdade. Curioso que muitos problemas encontrados nas localidades visitadas ali nos idos do século XIX seguiram sem solução por boa parte do século seguinte, e alguns até hoje pipocam nos noticiários.
O resultado dessa expedição científica não foi tão louvado pela sociedade. O país não estava preparado para receber os frutos colhidos pelos cientistas. Só do herbário eram 14 mil amostras e na parte zoológica, 17 mil exemplares. Boa parte desse acervo estava ali no Museu Nacional, incendiado em 2018. O que se salvou?
A expedição científica, com todos os prós e contras que cada leitor pode julgar a partir da leitura da obra – incluindo o pitoresco episódio dos camelos, se transportada, e comparada, com o Brasil dos anos 2020 deixa a incômoda sensação de que perdemos a capacidade de valorizar o que é nosso, de incentivar a nossa ciência e de buscar no nosso território riquezas e soluções que poderiam mudar realidades. O quando de Brasil, que está muito distante dos nossos olhares e percepções, se perde em meio a falta de valorização, de incentivo, de apoio?
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O Autor: Delmo Moreira nasceu em 1954, em Esteio (RS). Jornalista, passou por algumas das principais redações do Brasil, como O Estado de S. Paulo, TV Globo, IstoÉ e Época.