Sinopse Rocco: A cidade sitiada faz parte do conjunto de três romances que Clarice escreveu antes de completar 30 anos. O primeiro, Perto do coração selvagem, foi lançado no ano em que ela se casou, 1943, o terceiro, no ano em que teve o primeiro filho, 1949. Escrita e gravidez correram em paralelo e, como Clarice relatou em carta à irmã, Tania, “quando terminei o último capítulo, fui para o hospital dar à luz o menino”. Esse detalhe íntimo poderia ser supérfluo caso A cidade sitiada não estivesse tão completamente entrelaçado com a vida da autora, que padecia em Berna, a mesma “solidão vazia” e a mesma angustiosa melancolia que sua personagem, Lucrécia Neves, sofria no subúrbio de São Geraldo. (Resenha: A Cidade Sitiada – Clarice Lispector)
Opinião: Poucos textos conseguem ser estranhamente bons e marcantes como os de Clarice (ao menos para mim durante essa leitura cronológica da obra dela). Já havia me encantado por Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres anos atrás. Voltei a ter contato com os textos clariceanos em Perto do coração selvagem, no mês passado, e O lustre, há algumas semanas. Porém, me atrevo a dizer que, das leituras atuais, nenhuma chegou aos pés de A cidade sitiada.
O que é, de certa forma, surpreendente, porque este, segundo o posfácio de Benjamin Moser ao final desta edição, é o livro menos falado e estudado de Clarice. Realmente, a narrativa é mais complicada e recheada de metáforas, momentos que aparentam não acrescentar nada ao enredo – mas que, na verdade, o enriquecem ainda mais -, personagens incômodos e, claro, uma visão cruel e real da posição da mulher.
Acompanhar um subúrbio em desenvolvimento juntamente com a protagonista é bastante ambíguo durante todo o livro. Clarice, inclusive, tanto se deu conta dessa ambiguidade que revisou o texto inteiro e propôs mudanças de fragmentos numa segunda edição. Mas esse elemento é importante e faz parte da construção da história, pois ao mesmo tempo em que a cidade está crescendo e se adequando às modernidades da época, Lucrécia Neves também se encontra nesta posição. Nome e sobrenome nunca foram tão fortes anteriormente nos textos de Clarice como neste livro.
Temos aqui uma personagem que quer mais do que apenas viver no subúrbio e sabe que, na época em que se encontra, a única oportunidade de realizar seus desejos é se casando com um homem de fora, alguém imponente, com uma posição alta, porém sem amor. Lucrécia quer ir embora de S. Geraldo, esse é o seu objetivo. ela visa o mundo, a sua própria felicidade, custe o que custar. Lucrécia visa o lucro.
Por fim, Clarice não vivia uma época feliz enquanto escrevia A cidade sitiada. Isso é claro nas cartas e também durante a escrita do livro, porém traz uma riqueza de sentimentos e reflexões que deixam a narrativa avassaladora e marcante.
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Reconhecida pela crítica literária brasileira e estrangeira como uma das maiores escritoras do século XX, Clarice Lispector mudou os rumos da narrativa moderna com uma escrita singular, passando por diversos gêneros, do conto ao romance, da crônica à dramaturgia, da entrevista à correspondência e, também, pelas páginas femininas.