Sinopse Rocco: No livro, Wolfe expõe as consequências do atropelamento de um jovem negro na vida de Sherman McCoy, um yuppie de Wall Street que entra por engano no Bronx e, por medo de um assalto depois que o pneu do carro fura, atropela um dos jovens e foge. Síntese de uma época, A fogueira das vaidades narra o colapso de um investidor de Wall Street, e escrutina um mundo onde fortunas são feitas e perdidas num piscar de olhos. (Resenha: A Fogueira das Vaidades – Tom Wolfe)
Opinião: Ninguém escapa da vaidade. É uma daquelas características que compõe a essência do seu humano. Talvez a diferença esteja em saber como lidar com essa vaidade. Domá-la ou se transformar em seu servo. Depende de cada um. Na loucura de uma grande metrópole movida a dinheiro, status social e diferenças gritantes entre pobres e ricos, a vaidade pode assumir variados contornos e ser responsável pelo sucesso e fracasso de reputações e carreiras. Em síntese, dependendo do caldeirão sociocultural em que estejamos mergulhados, a vaidade se transforma em algo banal, parte da rotina.
A Nova York de fins dos anos 1980 mantinha claramente sua divisão racial, cultural e financeira. Existiam duas cidades. A dos brancos, ricos investidores de Wall Street; e a dos negros, confinados a bairros semelhantes a guetos e recheados de todos os tipos de problemas sociais imagináveis. A crônica dessa metrópole, um dos centros do mundo, foi escrita por Tom Wolfe de forma precisa e, arrisco dizer, um tanto imparcial. Para um autor branco, de excelente condição financeira, trilhar a tarefa de descrever os dois lados dessa Nova York sem cair em clichês preconceituosos poderia soar impossível. Principalmente para olhos como os nossos, acostumados a pré-julgar tudo pela ótica da divisão política. Sua missão, desnecessário dizer, foi bem cumprida.
Clássico da literatura do século XX, A Fogueira das Vaidades versa exatamente sobre o pulsar de uma cidade bem dividida. Foco da trama, a sina do milionário Sherman McCoy que se vê às voltas com a justiça – da lei e do povo, após atropelar e não prestar socorro a um jovem negro, não passa nem perto da densidade das sub-tramas que se desenrolam ao longo do livro. Cada grupo de personagens e seus núcleos desempenha um papel fundamental na obra e, no fim, se bem observarmos, ninguém está impune da vaidade. Ela não se restringe a título de livro, mas sim a essência que ronda pensamentos e atitudes de cada um envolvido nessa história.
A Nova York branca, rica, de Wall Stret desfila pelas páginas de A Fogueira das Vaidades em um tom que varia do descritivo ao ácido. Jantares suntuosos com pseudo-celebridades que roubam a cena por ostentarem uma fama que pouco tem de famosa. Jogos de interesses que variam de acordo com status e calibre financeiro. Rotinas de vida que se guiam pelo que o outro pode achar, falar, pensar. A Nova York de Sherman McCoy é ilusória. Hoje se está no topo. Amanhã se arrasta na lama.
A Nova York negra, do Bronx, é um terreno sem muitas leis. Os problemas sociais se amontoam e são explorados por religiosos sem muitos escrúpulos. Nela desfilam pessoas honestas que só querem levar uma vida digna e em paz. A elas se misturam delinquentes de todos os tipos e grupos de minorias muito bem manipulados para atender aos mais diversos interesses. Ali, a justiça toca uma música diferente e nem sempre está interessada em se fazer presente.
Quando Tom Wolfe decide fazer os caminhos dessas duas NY se cruzarem, explodem nas páginas de A Fogueira das Vaidades advogados, policiais, religiosos, vizinhos, patrões e empregados, policiais e promotores, juízes e jornalistas, milionários e delinquentes. A galeria de tipos movidos aos interesses mais diversos e nem sempre lutando pela mesma causa ou pela mesma justiça é fascinante porque convence. Entendemos claramente todas as motivações em jogo nas atitudes de cada envolvido no episódio do atropelamento, que vai levar a uma investigação que vai resultar em um julgamento que vai trazer caos para a vida de muitos. E por baixo dos tapetes escondem-se histórias sórdidas de vícios, traições, ganância, sexo e mentiras. É uma crônica crua da realidade.
Denso e minuciosamente bem descrito em todas as suas nuances, A Fogueira das Vaidades é um passeio por uma época que já não existe mais. Pelo menos não em sua íntegra. Muito do que é descrito no livro perdeu-se na evolução do tempo. Infelizmente muito da parte negativa ainda persiste em existir. Não há avanço que elimine certas práticas e pré-conceitos.
Tom Wolfe captou com olhar crítico e observador comportamentos sociais tão reprováveis quanto fundamentais para o funcionamento de uma sociedade. Os núcleos de personagens e suas características e motivações pessoais, sociais, econômicas e religiosas são um retrato de qualquer grande cidade mundo a fora. É uma leitura prazerosa e informativa. Ela provoca reflexão, mas é capaz, também, de tirar algumas risadas. As angústias íntimas de cada personagem se misturam com seus atos públicos, se confundem e acabam sendo manipuladas pelo sabor dos acontecimentos.
A Fogueira das Vaidades mistura sentimentos que vão da indignação e revolta ao ceticismo e à descrença. Há, no fundo, algum mocinho e algum vilão nessa história? Diria que não. A reputação da vítima é construída pela caneta de um jornalista interessado em alavancar sua carreira. O protagonista é um milionário covarde incapaz de domar sua vida. O promotor é movido pelas manchetes que o caso pode lhe render. O chefe policial mira uma reeleição ao cargo. O religioso quer projeção junto à comunidade… Vaidade. Vaidade. Vaidade. Um livro como poucos para chacoalhar nossa visão de mundo.
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O Autor: Tom Wolfe foi um jornalista e escritor norte-americano, conhecido por seu estilo marcadamente irônico. Nos EUA, é considerado um dos fundadores do new journalism, movimento jornalístico dos anos 60 e 70.
Wolfe nasceu em Richmond, Virginia, nos Estados Unidos, filho de Thomas Kennerly Wolfe e Helen Hughes Wolfe. Seu pai recebeu Ph.D. pela Universidade de Cornell e foi professor de Agronomia na Virginia Tech. Ele também possuía duas fazendas e foi diretor de uma bem-sucedida cooperativa de fazendeiros. O sucesso financeiro de Thomas permitiu à família um estilo de vida abastado. Thomas também atuou como autor e jornalista, editando o jornal agrícola The Southern Planter, além de publicar livros a respeito de temas semelhantes. Contudo, foi Helen Wolfe que introduziu Tom Wolfe às artes. Ela matriculou seu filho em aulas de sapateado e balé, incentivando-o a interpretar e ler com frequência. Com 9 anos de idade, Wolfe começou a escrever. Ainda criança, começou a escrever uma biografia de Napoleão, além de escrever e ilustrar a biografia de Mozart. Wolfe tem uma irmã mais cinco anos mais nova.
Tom Wolfe faleceu em 14 de maio de 2018, aos 87 anos