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Resenha: O Homem do Castelo Alto – Philip K. Dick

Opinião: O que é a realidade, afinal? A realidade é que Hitler e os países do Eixo venceram a Segunda Grande Guerra, expandiram seus domínios e agora detém o controle do mundo. Alemanha e Japão são as potências que dividiram os despojos, mudaram fronteiras e passaram a ditar as regras. A realidade é que os judeus foram praticamente exterminados, os negros foram escravizados e toda aquela ideologia nazista foi posta em prática. A raça pura ariana venceu! Essa é a realidade mostrada nas páginas de O Homem do Castelo Alto. O mundo à sombra da suástica.

Narrativa de leitura difícil e que exige muita atenção do leitor, a obra-prima de Philip K. Dick nos mostra o dia a dia de pessoas comuns e como elas vivem nessa nova ordem mundial. A história se passa integralmente nos Estados Unidos, ou melhor, nos Estados Americanos do Pacífico, sob domínio do Japão. Aqui acompanhamos diferentes e intrigantes personagens em sua rotina de vida: um antiquário, um burocrata japonês, um judeu que esconde suas origens, um capitão nazista e uma mulher idealista. Dois pontos em comum unem todas estas pessoas: o uso, exagerado até, do I Ching, o famoso oráculo chinês, como conselheiro para auxiliar na tomada de decisões; e o fascínio por uma obra de ficção proibida, O Gafanhoto torna-se Pesado, um livro que narra a história de um mundo em que Hitler perde a Segunda Guerra.

Dick brinca ao inserir uma realidade alternativa para a realidade alternativa que ele criou. Com isso, ele nos leva a questionar o que é realidade, de verdade, em toda essa história. Essa brincadeira resulta num dos melhores finais soco no estômago que eu já li. Mas vale ressaltar mais uma vez que este é um livro que exige paciência e atenção. Não temos momentos de ação que agilizem o ritmo da leitura, e sobram passagens em que cada personagem se perde em suas divagações e pensamentos íntimos. Mas todas as histórias de vida, por mais soltas que possam parecer, acabam de unindo na reta final com uns influenciando no destino dos outros.

Uma das principais formas de resistência de um povo está na sua identidade cultural. Logo, apagar a memória cultural é uma ótima forma de dominação. Este é um ponto gritante em O Homem do Castelo Alto. Acompanhamos o antiquário Childan negociando antigos artefatos norte-americanos para fascinados japoneses. E acreditem, um relógio do Mickey é objeto de valor, representante de uma cultura que se perdeu junto à guerra. A todo momento presenciamos embates dos personagens com essa questão cultural. Para o americano sua própria arte é motivo de vergonha porque os hábitos japoneses é que são sinônimo de classe, posição social. Os japoneses demonstram fascínio por peças americanas de antes da guerra, como se fossem objetos arqueológicos, mas não há valor no que se tenta produzir hoje.

Aliado à dominação cultural, caminha o conformismo. Desde os primeiros capítulos percebemos como os personagens se adaptaram facilmente ao novo mundo. Não existe em nenhum momento pontos de resistência. As pessoas simplesmente seguiram com suas vidas adaptando-as ao novo governo, aos novos dominadores, à nova cultura.

A ficção científica de Dick não recorre a outros planetas ou evoluções tecnológicas distantes. Ela se dá a partir de uma outra perspectiva para um fato histórico que ele próprio, nascido em 1928, vivenciou. Passado despercebido em vida – ele só teve o devido reconhecimento à genialidade de sua obra postumamente, Philip K. Dick é um autor necessário. O Homem do Castelo Alto é uma daquelas joias da literatura. Um desses escritos fadados a sobreviver e intrigar gerações em qualquer realidade que venha a ser lido.

Avaliação: 5 Estrelas

 

O Autor: Philip K. Dick, também conhecido pelas iniciais PKD, foi um escritor americano de ficção científica que alterou profundamente este gênero literário. Apesar de ter tido pouco reconhecimento em vida, a adaptação de várias das suas novelas ao cinema acabou por tornar a sua obra conhecida de um vasto público, sendo aclamado tanto pelo público como pela crítica e tornando-se um ícone da contracultura.

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